Elisabete Constantino
16.04.2025
Foi por iniciativa de seu pai, José Constantino, que Elisabete começou a sua jornada no mundo dos negócios. De sobrenome Constantino, Elisabete é muito mais do que uma cara conhecida no mundo do bacalhau…
A [Torres Vedras] esteve à conversa com a administradora da Constantinos, empresa localizada no concelho de Torres Vedras.
De cariz familiar e com uma forte tradição empreendedora, a Constantinos é uma referência na mesa dos oestinos.
Pegando nesta questão do cariz familiar e empreendedor, começava por perguntar como surgiu o negócio e a história por detrás da família Constantino?
Há coisas na vida que não se planeiam, acontecem. A Constantinos é uma dessas coisas. Tivemos a sorte do meu pai ser um jovem agricultor que sempre gostou do empreendedorismo, tendo aos 12 anos começado a vender os seus próprios tremoços. Quando foi para a tropa e abraçou o projeto de ser o diretor de uma cooperativa militar falida, percebeu que, afinal o negócio estava na alma. Quando ao fim de 32 meses saiu desta Cooperativa com um lucro abismal, foi convidado a ficar. Mas porque as suas origens e as suas raízes eram na Ventosa, não aceitou.
O primeiro negócio começou por uma pequena mercearia com taberna, na aldeia. O bacalhau era um negócio do Estado, distribuído pelo mesmo e era racionado até aos anos 80. Como tal, havia a chamada “candonga do bacalhau”, pelo que era preciso arranjar bacalhau para atrair clientes e o negócio do bacalhau da Constantinos apareceu, quando se percebe que poderia haver lucros.
Falando aqui do seu pai ser um visionário e no seguimento da história da família, gostaria que abordasse o seu percurso de vida a nível pessoal e mais concretamente a nível profissional, designadamente, como administradora da Constantinos.
Torna-se difícil separar as coisas, quando, com 4 anos de idade se começa a ajudar a família a servir copos de vinho na taberna e a ajudar a mãe, na mercearia. Fui crescendo e quando cheguei aos 14 anos, no 9.º ano de escolaridade, pensei em seguir a área de serviço social, mas o meu pai preferia que seguisse algo na área da Economia. Como na altura, as médias de entrada nestas áreas eram muito altas, optei por continuar a ajudar os meus pais na mercearia. Depois, começamos a perceber que o negócio já estava com uma grande dimensão e decidimos constituir a Constantinos. O meu pai não queria “papelada”. E assim, a “papelada” ficou para mim. Quando se gosta de clientes, de conversar, de trabalhar, as coisas desenvolvem-se muito naturalmente. Quando damos por isso, estamos com 54 anos e com uma empresa com 35 anos. Foi-me, desde sempre, incutida esta veia empreendedora pelo meu pai, que sempre diz “temos que olhar para o amanhã”. O ontem já passou e se pudermos deixar a nossa terra, e quem está à nossa volta, um bocadinho melhor…
Este “mundo” certamente será desafiante para uma mulher. Como é ser mulher no negócio do bacalhau, que ainda é, maioritariamente, dominado por homens?
Costumo dizer que nunca senti essa diferença entre homens e mulheres, porque cresci numa taberna, frequentada por homens, o que me ajudou quando dei o salto para o negócio do bacalhau. Nunca achei que por ser mulher, fosse diferente. Eu era a mais velha dos irmãos e o meu pai nunca me tratou de maneira diferente. Desde pequena que ia para as secas com ele. Sempre me deu a liberdade para ir a sítios, fazer negócios em seu nome.
Para mim ser mulher neste “mundo” é uma coisa natural.
Tenho bons amigos no ramo do bacalhau, nomeadamente pessoas com quem cresci e igualmente os mais velhos, que foram saindo.
A família Constantino continua a entregar aos consumidores produtos de grande qualidade. Quem compra reconhece esta premissa. O que considera que marca a diferença do bacalhau Constantinos e o que distingue da concorrência?
O bacalhau é todo selvagem, apesar de já se estar a fazer aquacultura. Onde é pescado o bacalhau da Constantinos, é pescado o bacalhau da concorrência. A única coisa que faz a qualidade do bacalhau é o processo e o tempo de cura, mais ganhamos no futuro em: qualidade, bom paladar e confiança. Foi sempre esta a nossa opção, para que o cliente sinta que está a comer o tradicional, o que se comia antigamente. À qualidade exigida pelo cliente, estamos igualmente a vender o nosso próprio nome na marca Constantinos.
Que iniciativas a empresa desenvolve para manter o seu posicionamento no mercado português?
Querermos servir o cliente o melhor possível, darmos a melhor qualidade para que o cliente não se sinta traído. Quando come o nosso bacalhau está a comer uma coisa que é boa, o mas natural possível. Apostamos na inovação do produto, como resposta às tendências e necessidades do mercado. Queremos manter, igualmente, uma imagem um bocadinho diferente, pelo que o refresh às coisas, tem a ver com esta questão.
Sendo um negócio de cariz familiar, quais as preocupações que a Constantinos tem relativamente às famílias que trabalham na empresa e como é que o potencial humano pode ser alavancado, para potenciar o crescimento de uma empresa deste ramo?
As empresas são pessoas. Sem as pessoas não existiriam empresas. Damos preferência às pessoas da nossa terra, primeiro da nossa aldeia, depois do nosso Concelho. A Constantinos é o que é, porque sempre tivemos bons funcionários, bons amigos, muitas pessoas da nossa família e famílias inteiras, que chegaram a trabalhar connosco. Nós gostamos de “dentro para fora”. Se tudo por dentro estiver bem, se os nossos vizinhos, amigos, familiares, empregados, instituições estiverem bem, a Constantinos está bem.
Sendo a Constantinos um forte motor económico da região, que iniciativas desenvolve junto da comunidade e dos seus stakeholders?
A Constantinos tem apoiado instituições do Concelho, por exemplo as que ajudam na integração de jovens e adultos deficientes. Temos 4 pessoas nesta circunstância a trabalhar na empresa. Damos, igualmente, preferência aos fornecedores e comerciantes do concelho de Torres Vedras.
E ao nível da sustentabilidade ambiental, tema que atualmente está tão em cima da mesa, que preocupações tem a empresa e que iniciativas tem vindo a desenvolver, neste âmbito?
Sempre estivemos preocupados com os que nos rodeia, porque se vivemos na natureza e temos um produto da natureza, é fundamental estarmos certificados. A nível de sustentabilidade, provavelmente teremos sido das primeiras empresas a ter painéis solares, para sermos autossuficientes. Temos igualmente parcerias com os SMAS de Torres Vedras e com as algumas entidades à nossa volta, por causa da água para demolhar o bacalhau. Precisamos de água e temos isso tudo muito bem assegurado e estruturado, de maneira a não prejudicar o ambiente.
Fazendo uma viragem de página nesta entrevista e porque o bacalhau “casa bem com o vinho”, pode partilhar um pouco de como surgiu a ligação à agricultura na família Constantino? E atualmente, que projetos a empresa desenvolve nesta área?
O meu pai é filho de agricultores. Tem o seguinte lema: “a terra não se volta a fazer, não se produz mais terra”. Assim, quando a família ganhava dinheiro na Constantinos, investíamos na nossa terra, comprando terrenos que as pessoas não queriam e isto foi surgindo, quase como um hobby do meu pai. Quando demos por isso, já tínhamos alguns hectares, sendo que produzíamos vinhos e colocávamos os mesmos na Adega Cooperativa de São Mamede da Ventosa. Ao fim de uns anos, começámos a perceber que a quantidade era muito grande para estarmos a colocar, apenas nesta adega cooperativa e decidimos recuperar umas edificações que estavam em ruínas, na freguesia de S. Mamede da Ventosa e que atualmente albergam a Quinta da Almiara, projeto de arquitetura do arquiteto Manuel Fernandes.
Alguns vinhos da Quinta da Almiara já foram premiados. Pode-nos explicar um pouco este processo e como, recentemente, chegaram até ao mercado internacional? Quais os objetivos para o futuro neste âmbito?
Os objetivos eram produzir com boa qualidade. Começámos por ter apenas uma ou duas marcas de vinhos. Tudo aconteceu muito naturalmente e conseguimos ter quatro vinhos premiados. Grande parte dos vinhos são vendidos internacionalmente, mas não diretamente com as nossas marcas. Nós também exportamos, mas ainda em pequenas quantidades. No futuro pretendemos expandir a nossa área de distribuição. Os nossos vinhos continuam a ser muito solicitados por outros players que têm grandes marcas de vinhos e que já estão no mercado.
A terminar esta entrevista, gostaria de lhe perguntar o seguinte: A Constantinos já conta com cerca de 35 anos de existência, o que deseja para a empresa, para daqui a 15 anos?
Desejo que a Constantinos continue a guiar-se pelos mesmos princípios que tem tido, desde o dia que foi constituída: não prejudicar nada, nem ninguém; continuar a manter uma boa qualidade e uma imagem de respeito, que caracteriza o slogan do nosso bacalhau “Constantinos Sabor a tradição”.