Bruno Camilo
01.11.2018
Paleontólogo, especializado em histologia, Bruno Camilo é um verdadeiro caçador de dinossauros. Presidente da Sociedade de História Natural – SHN, coordenou nos últimos 15 anos várias campanhas paleontológicas no concelho de Torres Vedras. Nesta edição, a Torres Vedras esteve à conversa com este paleontólogo, no Laboratório de Paleontologia e Paleoecologia da SHN.
Começava por lhe perguntar como é que surgiu o interesse pela paleontologia?
[…] Recordo-me de quando era miúdo e passava férias na praia da Consolação, existia uma pequena praia que praticamente só era utilizável com a maré vazia, quando a maré enchia a minha diversão era ir para as arribas procurar fósseis. E isso perlongou-se no tempo até aos dias de hoje, já não tanto nessa praia, mas aqui nas arribas do concelho de Torres Vedras, onde efetivamente faço o meu trabalho como paleontólogo profissional.
Explique-nos um pouco melhor em que é que consiste o trabalho de um paleontólogo.
O trabalho de um paleontólogo é bastante diverso. Não é meramente estudar os fósseis. Não é meramente estudar, neste caso, os dinossauros que são o ícone da paleontologia. No fundo o paleontólogo tenta dar respostas acerca até da nossa própria existência. É graças ao trabalho do paleontólogo que se conhece a história da vida na Terra. É graças à paleontologia que se sabe o que são em concreto as alterações climáticas, quais os impactos que as alterações climáticas têm no planeta e como é que isso afetou, ao longo da história da vida da Terra, os ecossistemas. No fundo é conhecer o passado para compreender o futuro. […]
É graças ao trabalho do paleontólogo que se conhece a história da vida na Terra.
À margem de todo o trabalho que desenvolveu enquanto paleontólogo, como é que foi o seu percurso de vida?
Eu tirei arqueologia na Universidade Nova de Lisboa. […] Ainda trabalhei uns anos como arqueólogo. Depois disso a paixão pela paleontologia era mais forte. A partir de 2014 decidi focar-me inteiramente na paleontologia. Neste momento estou a fazer um mestrado e doutoramento em simultâneo entre a Universidade de Opole, na Polónia, e a Universidade de Bonn, na Alemanha, em histologia. Eu estudo como é que os dinossauros cresciam, quando é que atingiam a maturidade sexual, com que idade é que eles morriam, no fundo eu reconstituo a história de vida de um dinossauro.
Há vários anos que está ligado à SHN, sendo atualmente o presidente. Que tipo de trabalho é que a Sociedade desenvolve e qual a importância desse trabalho no Concelho?
O trabalho que nós desenvolvemos não é meramente trabalho de investigação científica pura e dura, é também uma ação de curadoria e conservação sobre o património paleontológico do Concelho, que é bastante rico e diverso, quer aquele que se encontra nas áreas de armazenamento, quer aquele que se encontra nas arribas. Há que lhe dar algum carácter de proteção, algum acompanhamento e geri-lo. Quando eu digo geri-lo, digo, por exemplo, fazer aquilo que nós fizemos em 2008, que foi [implementar] o primeiro sistema de informação geográfica aplicado à paleontologia existente a nível nacional. Podemos dizer que Torres Vedras é o único concelho do país que tem um instrumento de gestão para o património paleontológico.
Por outro lado, também é utilizar a paleontologia e geologia como um recurso educativo e pedagógico. Esse é um trabalho que temos feito muito próximo com as escolas e com a população em geral, não só na questão da sensibilização para o património, mas também para que as pessoas valorizem esse importante património geológico e paleontológico.
Torres Vedras é o único concelho do país que tem um instrumento de gestão para o património paleontológico.
Uma equipa da SHN descobriu recentemente fósseis daquilo que julgam ser uma nova espécie de dinossauro carnívoro. De que forma é que esta descoberta é importante, quer a nível nacional e até mesmo internacional?
Não foi tão recente assim. Cada dinossauro nesta coleção [da SHN] acaba por ter a sua história dentro do tempo de vida dos humanos. Este dinossauro foi descoberto em 2001, por uma colega nossa, e nós fizemos a escavação em 2002 e 2003. Durante alguns anos julgávamos que pertencia a um grupo estreitamente relacionado com as formas Norte Americanas. […] Neste momento, com este artigo cientifico, a forma como nós interpretamos é radicalmente diferente, isto porque as características patentes nos ossos confirmam-nos que pertence a um grupo que não devia existir em Portugal, nem na América do Norte e nem na Europa no Jurássico Superior. Porque são grupos de dinossauros que eram típicos das massas continentais do bloco Sul que existia então. […]
A nossa coleção é extremamente importante a nível mundial, exatamente por causa disso, porque ao que parece aqui em Portugal havia praticamente tudo o que havia e não havia em alguns blocos continentais, isso quer dizer nós estaríamos, provavelmente, num marco em que havia ainda algumas ligações entre o bloco do Norte e o bloco do Sul. […]
A nossa coleção é extremamente importante a nível mundial.
Quais é que são as ferramentas utilizadas nessas escavações?
Um pouco de tudo, desde materiais químicos, câmara fotográfica, picareta, martelo pneumático, material de dentista, para quando se quer escavar com alguma delicadeza, e material de desenho. […] Os instrumentos são variáveis, o fatorque se tem de adaptar caso a caso é em função do sítio onde eles [fósseis] são encontrados. Escavar um dinossauro no fundo de uma arriba é diferente de escavar no topo de uma arriba por variadíssimas razões, desde logo o transporte. Transportar ossos que pesam toneladas do fundo de uma arriba para o topo é muito complicado, no topo da arriba não temos tanto esse problema desde que seja relativamente acessível.
Enquanto paleontólogo qual foi a descoberta que fez que considera mais marcante?
Para mim são todas importantes, é difícil… [pensativo] Mas particularmente este dinossauro que nós estamos a falar, este carcarodontossaurídeo, e talvez um estegossauro, que foi uma escavação bastante trabalhosa que estivemos um ano a escavar, no fundo de uma arriba. [risos] Esse sim foi uma grande aventura por todas as razões! Chegou a um ponto em que ele [dinossauro] estava tão completo que transportar do fim da arriba era quase impossível. A única solução foi mesmo pedir autorização à Agencia Portuguesa do Ambiente para se abrir um acesso numa arriba. […] Foi um processo complicado. […] Um ano intenso de trabalho e sempre de coração nas mãos, porque durante sete meses o bloco ficou quase junto à linha de marés.
A SHN este ano foi também responsável por organizar a reunião anual do Centro Europeu de Paleontologia. De que forma é que esta visita foi importante para dar a conhecer o potencial científico do Concelho?
[…] O mais importante foi não só a questão da potencialidade para que se possa trazer a Portugal e a Torres Vedras mais projetos de investigação e mais estudantes, porque a coleção é enorme e tem de ser estudada, mas sobretudo para que eles pudessem observar o que é fantástico neste Concelho. Temos um livro de geologia para onde quer que nós olhemos. […] A variação geológica que nós temos, desde da geologia sedimentar, à estratigrafia, à geologia estrutural, permite compreender todo o território de uma forma mais vasta.
A região Oeste vai ter um Geoparque. Explique-nos em que é que consiste um Geoparque.
Um Geoparque é um território que é diferenciado pela sua geologia e não só.[…] Também tem muito a ver com a própria história do território, com as suas características e das pessoas que nele habitam. Tem que ser um território que já tenha tido ou que tenha na sua vivência ações de valorização do património, neste caso o geológico, para que possa daí advir uma candidatura a Global Geoparque da UNESCO. Podemos dizer que em última estância um Geoparque são as características físicas ou fisiográficas, mas em grande medida são também as características humanas.
Geoparque são as características físicas ou fisiográficas, mas em grande medida são também as características humanas.
O que é que caracteriza, em específico, o Geoparque do Oeste?
Torres Vedras e Lourinhã são sobejamente conhecidas do ponto de vista internacional pelo trabalho que têm feito em prol da geologia e da paleontologia. […] E depois vamos pegar noutras características que são extremamente locais, por exemplo os moinhos de vento que são de facto algo característico e um fio condutor entre os cinco concelhos [que integram o Geoparque do Oeste: Torres Vedras, Lourinhã, Bombarral, Peniche e Óbidos].
Também há outros fatores que se pode pensar à partida que são de reduzida importância, mas são uma expressão cultural do território, como a cerâmica e os vinhos. Um vinho de uma vinha que cresce num terreno Jurássico é um vinho completamente diferente de um vinho que cresce num terreno Cretácico, porque as qualidades do solo são completamente diferentes e os fatores de exposição também. […] Então, aqui conseguimos ligar a geologia, a paleontologia e o vinho.
Um vinho de uma vinha que cresce num terreno Jurássico é um vinho completamente diferente de um vinho que cresce num terreno Cretácico.
Falando agora do presente, que outros projetos é que está a desenvolver para além de todos os que já abordamos?
Tivemos um convite, há cerca de três meses, pelo Naturalis Biodiversity Center, que está a escavar esqueletos de Tricerátops, desde 2013, nos Estados Unidos, no Wyoming. Descobriram seis esqueletos, o que é raríssimo porque normalmente o que se encontra são os crânios desses dinossauros, o resto da anatomia é muito pouco conhecida.
Foi proposto um projeto de cofinanciamento ao Fundo Mondrian em que com base num dos espécimes se reconstituíssem dois esqueletos: um original, com os ossos que faltam digitalizados e impressos em 3D, e o segundo inteiramente em 3D também à escala 1:1. […] O primeiro vai para a Holanda e o segundo fica cá em Portugal, mas tudo vai ser produzido aqui em Torres Vedras.
O que nós propusemos foi tornar este projeto não só um projeto cientifico e técnico, mas sim como algo de outreach, ou seja, aberto ao público e especialmente dirigido para as escolas. Enquanto nós estivermos a fazer a impressão, montagem e limpeza dos ossos verdadeiros, as escolas e o público em geral vão poder ir ver o processo. Quem não pode ir ver o processo vai poder ver pelo menos algumas horas online.
Um aspeto engraçado da nossa proposta foi que quem vai decidir como é que o esqueleto é montado, ou seja, em que posição é que o esqueleto é montado quer em Portugal, quer na Holanda, vão ser as escolas de Torres Vedras. […] Na Holanda, quando for exposto vão saber que foram alunos da escola portuguesa que ganharam um concurso para montar aquele dinossauro que eles têm lá.
Olhando para o futuro, o que é que ainda está por fazer?
Um Museu! A nossa intenção e a intenção do Município [de Torres Vedras] foi desde logo estabelecer o futuro museu em Santa Cruz. […] É um ponto turístico, embora muito sazonal, mas também é um pouco para reverter essa sazonalidade que apoiamos essa ideia da Câmara. […] É nesse sentido que vão ser montados lá os laboratórios. […] Um deles será um laboratório de preparação, numa área mais reduzida do que a que temos agora aqui no Ameal, mas que terá depois a área dos laboratórios de investigação científica pura e dura, coisa que aqui não tínhamos capacidade em termos de espaço para ter.
Esse espaço de laboratório está agora a ser montado e todo ele vai estar aberto ao público para o projeto do Triceratops 3D. [...] Em todo aquele espaço vai haver um live science, desde março até finais de junho, que vai ser completamente aberto ao público. Nessa altura as pessoas já podem ver os novos laboratórios, como é que nós trabalhamos e como é que está a ser desenvolvido esse projeto.
Um Museu!
Onde: Laboratório de Paleontologia e Paleoecologia, Ameal
Quando: 10 de outubro de 2018