Leonor Madeira
14.11.2025
Nasceu em Torres Vedras, bem no Centro Histórico da Cidade, e encontrou no teatro, no fado e na declamação as suas grandes paixões. É também no Centro Histórico que mantém o seu negócio, que junta a arte da costura à criatividade.
A revista municipal Torres Vedras esteve à conversa com Leonor Madeira.
A sua vida começa precisamente junto ao Castelo, onde nasceu e viveu muitos anos. Que memórias guarda desses tempos?
Memórias interessantíssimas. Nasci e vivi no Castelo até aos 16 anos e houve pessoas dessa altura que me marcaram. De tal maneira que, em 1994, num almoço dos “castelhanos” - que acontecia sempre no dia 8 de dezembro, no Manadinhas - escrevi uma coisa muito interessante a partir dos vários homens e mulheres que fizeram realmente história no Castelo. Hoje, quando olho para aquilo, acho que foi das coisas mais bonitas que fiz. […] Não só essas memórias, como as da Sociedade Recreativa Operária. Foi aí que iniciei o meu gosto pelo teatro, porque era a coletividade que mantinha dois grupos em simultâneo: o das crianças e o dos seniores. É uma coletividade que me deixou também muitas saudades.
O seu pai também tinha uma forte ligação ao teatro…
Sim, muito. Acho que foi dele que cultivei esse gosto. Eu tive o prazer de ver a dona Palmira Bastos representar no Teatro Nacional Dona Maria II, a Mariana Rey Colaço, o Raul de Carvalho. Lembro--me perfeitamente d’O Prémio Nobel, A Visita da Velha Senhora, As Árvores Morrem de Pé… Ainda os teatros não eram classificados por idades. O meu pai tinha um gosto pelo teatro clássico, não era nada “revisteiro”, e ia sempre que podia. O meu pai era realmente uma pessoa muito humilde, mas com uma visão muito além.
Começa assim o seu interesse pelo teatro e depois pela música...
A música veio por acréscimo, porque eu era a cantadeira do meu pátio. Eu no Castelo também tinha um pátio e adorava cantar as “cançõezitas” da altura. E os rapazes faziam réplica das muralhas do Castelo, porque as traseiras da minha casa davam para as muralhas. Foram momentos bonitos. O seu percurso também foi marcado por uma forte ligação ao associativismo, principalmente através do Grémio Artístico Torreense. De que forma é que esteve envolvida nesta coletividade? Eu depois mudei-me para o que era na altura denominado o “bairro novo”, para uma rua transversal ao Grémio. O Grémio tinha um grupo de teatro que parava uns tempos e depois voltava… Até que houve uma direção que me dirigiu um convite, a mim e a outros, para fazermos uma reunião, porque o Grémio estava inativo em termos de teatro há já algum tempo. Começámos com uma peça de Arthur Miller, que foi classificada para ir ao São Luiz [Teatro Municipal]. Já tive o gosto de ter representado no São Luiz! Eram 30 grupos e nós ficámos nos 10 selecionados. No fim, quem ganhou foi um grupo de Cascais, porque já era semiprofissional e ganharam com a opereta Senhora dos Navegantes. Eu tenho pena de morrer sem fazer uma opereta, porque era dos espetáculos que eu acho que me completava mais, porque podia cantar e tinha a parte representada. Depois enveredámos pela revista, porque havia já elementos que tinham filhos e os levavam. Foram 25 anos em que o Grémio era a minha segunda casa.
Para além de participar enquanto atriz, também coordenava o grupo?
Eu envolvia-me em tudo, era demais. Era de mim, eu tinha de dar volta a tudo e saber tudo, como é costume dizer-se: “alguém tem que puxar a carroça”. […] Claro que foi com uma grande equipa, mas não há dúvida nenhuma de que me transcendia, eu pensava naquilo noite e dia.
Integra também o grupo Formas de Fado, que este ano fez 20 anos. Como é que surgiu o grupo?
O grupo surgiu numa noite em que tivemos fados na Expotorres, ainda era o primeiro edifício, não havia o segundo. Nessa noite, o Tó e a Patrícia, do grupo de dança do Grémio, foram convidados para dançar um fado. Quando acabou essa noite juntámo-nos no Pacar. Eu vim de lá tão realizada com a noite, porque tinha sido muito bonita que sugeri formarmos um grupo, com o fado falado, que era o que eu dizia, o fado cantado, o fado dançado e o fado tocado na guitarrada. Depois tive a ajuda do Avelino e da Cristina, que equilibraram a composição para que fosse um grupo com realismo. Foi assim que nasceu. Longe de nós pensarmos que o grupo chegaria tão longe. O grupo Forma de Fado atua por todo o Concelho… Sim. É patrocinado pela Câmara [Municipal de Torres Vedras] há 20 anos. Temos ido a sítios interessantíssimos. Notamos que, quando acontece em sítios em que o público não está habituado, no fim todos ficam encantado e até nos aplausos se nota. Temos tido noites muito bonitas e realmente todos nos recebem o melhor que sabem e podem, sem dúvida nenhuma. Em 2025, assinalaram 20 anos de Formas de Fado com um espetáculo no Teatro-Cine de Torres Vedras… Ao folhear um álbum dei com o cartaz do Teatro-Cine e quando vi a data fazia este ano, no dia 5 de março, 20 anos do grupo Formas de Fado. Como o dia 5 março calhou mesmo no dia do Entrudo, foi a 19 de março que festejámos o aniversário com um espetáculo no Teatro-Cine de Torres Vedras.
Qual a razão para gostar tanto de estar em palco?
É mágico, de facto. Quem o pisa não esquece. Se mexerem nas minhas mãos antes de entrar em palco estão duas pedras de gelo e húmidas, depois quando entro normalizo mais. Nesses 25 anos, eu era a primeira pessoa a arranjar-me e a ir para cima. O que tem de bonito um grupo amador, e penso que de uma forma geral, é nós vibrarmos com tudo o que está a acontecer. Mas há pessoas que conseguem ausentar-se disso, estão no camarim, conversam, conversam, até serem chamadas para o momento delas. Eu era incapaz, eu estava lá em cima com os meus guiões na mão e já arranjada para quando fosse o meu número.
Seja naquilo que for, até na minha costura, se tenho uma ideia para alguma coisa que seja um bocadinho diferente da minha rotina, eu de noite já não durmo bem, estou desejando de começar a fazer e, enquanto não realizar a ideia que tive, não fico satisfeita. Eu, com a minha idade, já me posso dar ao luxo de dizer que não trabalho, só faço o que me apetece. Um dos prazeres que tenho é não ter obrigação. Por exemplo, eu não faço encomendas, porque é uma responsabilidade acrescida àquilo que eu tenho para fazer e eu isso já não quero. Quero divagar, se ficar bem fica e, se não ficar, ponho para o lado e não penso mais nisso. Mas tenho sempre a ideia de que ainda há alguma coisa que eu possa fazer de diferente.
Há cerca de 20 anos, com a sua filha, abriu a Casinha dos Avós. Como é que nasce este projeto?
Acima de tudo das circunstâncias, porque o nosso espaço era de fatos de homem e, entretanto, as coisas começaram a ficar difíceis. […] O espaço ficou fechado um tempo e pensámos se alugávamos ou não, porque vender estava fora de questão. Tínhamos 59 anos quando isto aconteceu, éramos velhos para o mercado de trabalho. Um dia, a minha Ana tinha ido a Lisboa com o marido e pediu se eu ficava com a menina, a minha Carolina. Entretanto, ela estava a brincar e eu andava lá nas minhas voltas e a televisão estava ligada, estava a dar a procissão de Nossa Senhora de Fátima. Quando vi as imagens, parei e pedi a Nossa Senhora que me ajudasse, que me iluminasse sobre o que havia de fazer com a loja. Eles vieram, almoçámos todos e quando acabou o almoço eu disse: “Agora quero que me oiçam durante cinco minutos que eu tenho uma coisa para vos dizer. Vamos abrir a nossa loja.” Ficou tudo a olhar para mim. A minha Ana sempre teve muito jeito para trabalhos manuais, ela pintava e desenhava e tinha muito gosto, tinha e tem. […] E eu que não era costureirinha, passei a ser. É a história da minha vida e estou feliz. Eu tenho uma grande capacidade de me ajustar, acho que isso é um dom que Nossa Senhora me deu. Sempre vivi na minha medida e quando não chego a qualquer coisa que gostaria ter, não me sinto infeliz por isso.
Vive desde sempre na cidade de Torres Vedras. Como vê a evolução da Cidade?
A Cidade evoluiu de uma forma que eu nem sei descrever. Por outro lado, acho que o que faz falta na nossa Cidade, e à sua volta, são as indústrias. Nós temos que nos ajustar às novas tecnologias, às novas formas de viver, mas todo o progresso tem o seu quê de negativo. Um dos exemplos, é que nós vemos muito menos pessoas na rua. Hoje, as pessoas basta manusearem o telemóvel e têm as compras entregues em casa. Isto tira movimento à rua.
Dá comodidade à pessoa, sem dúvida nenhuma, mas tira o prazer de contactar com a pessoa que atende e com o espaço




