Torres Vedras

Cândida Pinto

01.10.2022

Fotografia em que se vê Cândida Pinto e o seu reflexo na janela de um comboio.

Nasceu em Torres Vedras e cedo percebeu que queria fazer jornalismo. Fez a licenciatura em Comunicação Social no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa e começou por estagiar na Antena 1. Seguiu-se a televisão, com um curso da RTP e o convite para a equipa fundadora da SIC, o primeiro canal de televisão privado em Portugal.

Ao longo dos anos, destacou-se pela cobertura de conflitos nos quatro cantos do mundo – sem esquecer que “as pessoas são sempre o mais importante”. Esta edição da [Torres Vedras] esteve à conversa com Cândida Pinto.

 

Como é que percebeu que era jornalismo o que queria fazer?

No 10.º ano tive uma disciplina que se chamava “Introdução ao Jornalismo”. Curiosamente era dada por uma professora que não apreciava particularmente jornalismo. Mas ela esforçou-se tanto por dar a cadeira bem, visitámos agências de notícias, jornais e tudo isso, que eu achei que era aquilo que queria fazer. Tive sempre uma personalidade um bocado irrequieta e não me seduzia nada ter uma profissão que me trancasse num sítio. Queria algo que me fizesse mover. Na altura até achava que podia fazer coisas de turismo. E depois surge essa professora no 10.º ano, deu essa cadeira e pensei “é isto que eu quero fazer”. Fixei-me um bocado nesse objetivo, fui para a faculdade... E foi assim que começou.

 

Os portugueses reconhecem-na da televisão, mas a sua carreira começou na rádio. Como foi esta mudança da rádio para a televisão?

Eu estava na rádio e houve um curso de formação em televisão, na altura no centro de formação da RTP. E uma colega minha disse se eu queria ir experimentar. Então lá fomos, fizemos o curso. Televisão não estava minimamente no meu horizonte, tal como não estava a cobertura de conflitos. Nada disso estava no meu horizonte. E esse curso de 6 meses despertou-me para a televisão, porque era um curso muito abrangente, tocava em todas as áreas. E a questão de trabalhar a imagem interessou-me muito, mais do que ser pivot. Tive uma boa classificação nesse curso, tanto que fui convidada para ficar a estagiar na RTP. E depois foi caminhar por aí fora. […]

 

Podemos dizer que, indubitavelmente, a reportagem é o seu registo. Qual foi o primeiro conflito que acompanhou?

Sim, a reportagem é de facto o que mais gosto e onde me sinto mais à vontade. Tive uma experiência na RTP, um levantamento militar que tinha acontecido no antigo Zaire, atualmente a República Democrática do Congo, em Kinshasa. Mas tinha sido uma coisa muito curta. Depois, eu tinha o know how [saber fazer], porque tinha andado a acompanhar as negociações de Paz sobre o conflito em Angola que decorreram aqui em Bicesse, ao pé do Estoril. Portanto, quando fui para lá conhecia algumas pessoas. Depois, quando lá estava, rebentou de novo a guerra. E, portanto, eu também me testei a mim própria, como é que reagia numa situação destas, se era capaz de responder ou não. E a própria SIC também. Havia ali um teste mútuo. E pronto, as coisas correram bem e eu continuei a acompanhar a situação durante muitos anos, durante os anos 90 fui lá inúmeras vezes. […]

Seguiram-se muitos outros conflitos: Guiné, Kosovo, Timor, Afeganistão… Como é que um repórter se prepara para acompanhar este tipo de situações?

Para já tem de ter apetência pela área internacional, que é a área que eu prefiro. Tem de ter interesse e acompanhar. Depois, muitas vezes somos confrontados com a ida muito rapidamente. Já me aconteceu dezenas de vezes. Obviamente que o know how que temos pelo facto de acompanharmos minimamente com interesse as coisas que vão acontecendo no mundo é fundamental para mergulhar nessas situações. Mas não tem nada a ver, estar em Lisboa a acompanhar um conflito que decorre a milhares de quilómetros e de repente aterrar numa situação complexa. É preciso ter alguns cuidados. Fundamentalmente, é preciso ter capacidade de estar disponível para entender, muitas vezes, situações que são muito diferentes das nossas. É preciso ter essa abertura de mentalidade para não sentir falta do conforto de casa. Em cima disso, existe uma situação complexa quando envolve um conflito. Aí trata-se também de garantir a própria sobrevivência, a segurança. Tudo isso são questões para as quais temos de estar sempre despertos. […]

Este ano já passei mais tempo na Ucrânia do que aqui.

 

Este ano tem acompanhado e estado no terreno na Ucrânia, a propósito do conflito com a Rússia. O que é que tem procurado transmitir?

Este ano já passei mais tempo na Ucrânia do que aqui. Fui para lá ainda no final de janeiro, um mês antes da invasão começar. Depois vim a Lisboa várias vezes, porque é uma situação muito exigente a todos os níveis. […] Procurei perceber com o cidadão comum ou analistas ou militares qual é que era o sentir das pessoas em relação ao que poderia estar iminente. E, por outro lado, perceber porque é que existia esta fratura entre a Rússia e a Ucrânia e o que é que poderia levar a Rússia a entrar pela Ucrânia. Sobretudo, detetar modos de vida e circunstâncias de sociedade muito diferentes. […] Antes do conflito fui a Mariupol, Donbass, Severodonetsk, Kramatorsk… Isto aplica-se à Ucrânia como se aplica a qualquer outro sítio: não há nada que substitua ir aos locais. Por mais leituras e análise que se faça, na minha opinião, não há nada que substitua ir ao local. E isso para o jornalista é essencial, para compreender melhor o que se passa. […]

 

Pensando nos conflitos que acompanhou ao longo dos anos e na guerra que se trava hoje no leste da Europa, o que é que mudou?

Este conflito tem várias diferenças dos conflitos anteriores onde estive. Para já, trata-se de uma invasão de um país soberano sobre outro país soberano. Sendo que o país invasor é, a todos os níveis, muito mais poderoso do que o país invadido. No terreno é um pouco isto que se passa. Depois, há uma outra questão: é um conflito entre a Rússia e o Ocidente, em que a Ucrânia é o palco. […] É diferente ainda porque está a acontecer na Europa, no mundo ocidental, em 2022. Com questões tão antagónicas como existirem trincheiras onde os militares dormem como dormiam na Primeira Guerra Mundial. Trincheiras que são feitas debaixo de terra. Mas depois há wi-fi no país todo e tudo se sabe imediatamente. Portanto isso também dá ao conflito características muito diferentes. […]

Como é que olha para o papel do jornalismo perante este conflito na Europa, aos dias de hoje?

Este conflito, curiosamente, teve uma adesão de jornalistas no terreno que eu não via há muito tempo. Já passou pela Ucrânia uma quantidade de jornalistas internacionais avassaladora, dos mais diversos sítios do planeta. […] Para o jornalismo, creio que é um momento muito importante. Por um lado, para descodificarmos o que se está a passar.

Por outro lado, para termos a consciência de que há duas máquinas de propaganda fortes a trabalharem, paralelas às máquinas militares: a máquina ucraniana e a máquina russa. Portanto aquilo que nos é dito pelas máquinas de propaganda não pode ser transmitido ipsis verbis, porque nós não somos ecos, não somos meros retransmissores. E o facto de estarmos no local permite-nos, de facto, uma interpretação diferente do que está a acontecer. […]

Eu acho que o jornalismo tem uma missão fundamental de destapar injustiças, violações dos direitos humanos, situações onde há abusos de poder das mais diversas formas…

Falámos sobre a Ucrânia, falámos também sobre vários momentos da sua carreira… Ao longo de todos estes anos no jornalismo, houve algum momento que a tivesse marcado particularmente?

Imensos. Não se passa por isto de forma incólume, obviamente, e há muitas situações que são muito fortes. Há situações onde a pessoa se sente muito vulnerável, em que não sabe se vai sair dali ou não. Eu tenho sempre medo. Sempre. Portanto há muitas situações que deixam o seu rasto, as suas marcas, e que me acompanham a vida toda. Neste caso, por exemplo, há uma situação que aconteceu poucos dias depois da invasão, em que atravessámos a Ucrânia de carrinha e fomos buscar uma ucraniana que tinha nacionalidade portuguesa e que saiu da Ucrânia connosco. Tinha uma bebé de dois anos e o marido ficou. Entrou com a criança para o pequeno autocarro onde estávamos. Era de noite, não havia nenhumas luzes acesas. O autocarro começa a andar e a criança começa a chamar “papá, papá”. [pausa] E há aquela dúvida: o que é que vai acontecer a seguir? Obviamente que são situações que não dá para esquecer. […] Em tudo isto, as pessoas são sempre o mais importante e o mais difícil.

Disse que o mais importante são sempre as pessoas. O jornalismo é uma forma de dar voz a situações, grupos ou pessoas que geralmente estão fora dos holofotes?

Claramente. Eu acho que o jornalismo tem uma missão fundamental de destapar injustiças, violações dos direitos humanos, situações onde há abusos de poder das mais diversas formas… Intolerâncias, abusos, todo esse leque de situações faz parte daquilo que faz mover o jornalismo e que me faz mover a mim. É o destapar dessas situações que nos faz avançar do ponto de vista de sociedade e de vida em comunidade. Eu acho que o jornalismo tem aí um papel que pode ser muito importante. Já tive alguns prémios melhores do que aqueles que são públicos, que tem a ver com contribuir para resolver a vida de algumas pessoas ou para alterar algumas situações. Esses são os verdadeiros prémios. […]

 

Foi em Torres Vedras que nasceu. Como é que olha para este concelho aos dias de hoje?

Uma parte significativa da minha família vive em Torres Vedras, portanto vou com muita frequência a Torres Vedras. Não tenho uma vida vivida aí, porque vou em visitas breves. Mas acho que é um concelho que evoluiu imenso. Embora seja um concelho que está entre o urbano e o rural, tem atualmente uma proximidade a um meio urbano, a Lisboa, muito grande. É uma cidade que está relativamente próxima, mas também está relativamente afastada para ter a sua vida própria – isso dá identidade. Acho que é uma cidade agradável. Mesmo em termos culturais tem iniciativas bastante interessantes e isso é bastante louvável. E é uma cidade onde eu volto sempre, claro.

Legenda:

1 - Ucrânia (2022)
2 - Ucrânia (2022)
3 - Angola (2021)
4 - Donbass, Ucrânia (2022)
5 - Bucha, Ucrânia (2022)

Quando: 14 de junho
Onde: Online

Entrevista: Rita Santos
Imagens de arquivo cedidas por Cândida Pinto

Última atualização: 22.12.2022 - 15:39 horas
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