Torres Vedras

Nova espécie de mamífero do Jurássico Superior descoberta em Torres Vedras

24.06.2025

A Sociedade de História Natural, sediada no concelho de Torres Vedras, descobriu uma nova espécie de mamífero do Jurássico Superior de Torres Vedras. O artigo científico sobre o Cambelodon torrensis foi publicado recentemente na revista Papers In Paleontology.

O nome do género Cambelodon refere-se ao “dente de Cambelas", povoação perto da qual o espécime foi descoberto, e torreensis, o nome da espécie, é dedicado aos munícipes do concelho de Torres Vedras.

Em 2021, a equipa do Ci2Paleo da Sociedade de História Natural descobriu alguns pequenos ossos de dinossauros no topo das arribas do Jurássico Superior, próximo da aldeia de Cambelas. A partir daí, a equipa escavou em torno da área dos ossos, a fim de remover um bloco contendo os vestígios. Durante o processo de preparação do bloco, apareceram vários ossos de diferentes grupos de pequenos animais (mamíferos, crocodilomorfos, lagartos, anfíbios e de um dinossauro voador, talvez relacionado com Archaeopteryx) - uma associação de faunas raras de se encontrarem no mesmo local.

Assim se deu a descoberta deste raro fóssil: a mandíbula de um mamífero da Ordem Multituberculata, um grupo extinto.

Os multituberculados são o grupo de mamíferos que durante mais tempo deambulou pela Terra, por aproximadamente 100 milhões de anos. Têm dentes tão bizarros que foi isso que lhes deu o nome. 

O fóssil encontrado em Cambelas foi analisado por meio de nanotomografia no Instituto Superior Técnico, o que permitiu observar em alta resolução sua anatomia interna e criar um modelo 3D detalhado de seus elementos. Assim foi possível identificar que era indivíduo jovem, com dentes de leite e difinitivos preservados que permitiu distinguir o padrão de substituição dentária dessa espécie, ou seja, a ordem com que os dentes são substituídos.

De entre os mamíferos atuais e os multituberculados, a substituição dentária é predominantemente feita da frente para trás (incisivos primeiro, depois caninos, pré-molares e, por fim, molares). O Cambelodon possui uma troca de dentes inversa, ou seja, de trás para a frente e de forma não sequencial. Essa substituição é extremamente rara, conhecida em só mais dois exemplares de multituberculados em todo o mundo, uma espécie encontrada na China, e outra em Portugal, na famosa mina da Guimarota.

O Cambelodon oferece pistas valiosas sobre a evolução desse grupo e sua ontogenia. Sabe-se que quando surgiram, os multituberculados tinham uma dentição adaptada para triturar alimentos, através de movimento ortal da mandíbula, isto é, um movimento vertical, de cima para baixo. Mais tarde, desenvolveram uma segunda fase na mastigação com movimentos propalianais (para trás), que serviam para cortar a comida. Tal adaptação, mudaria a sua dentição completamente, transformando o seu último pré-molar inferior em uma grande lâmina. Através de análises feitas com microscópio eletrónico de varrimento, foi possível identificar marcas de desgastes nos dentes do Cambelodon, que indicam que ambos os tipos de mastigação (ortal e propalinal) já estavam em funcionamento nos multituberculados do final do Jurássico.

Referência: Victor F. Carvalho, Bruno Camilo, Ricardo Araújo, Lígia Castro, José C. Kullberg, Hilde G. B. Desmet, Ignace Nerinckx, Marco Leite and Diego Reis. 2025. Cambelodon torreensis, a new pinheirodontid multituberculate from the Upper Jurassic of western Portugal. Papers in Palaeontology. 11(2); e70012. DOI: doi.org/10.1002/spp2.70012 [10 April 2025]

Publicado: 24.06.2025 - 18:36 horas
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