Torres Vedras

Os Reis do Carnaval de Torres Vedras

09.03.2023

Detalhe de fotografia a preto e branco em que se vê os Reis do Carnaval de Torres Vedras em 1930. À sua frente segue o bobo.

Dada a proximidade com a capital, é provável que o Carnaval de Torres Vedras tenha sofrido influências de Lisboa (que por sua vez replicou os modelos do carnaval mediterrâneo do final do séc. XIX), nomeadamente o corso, a dinastia régia e o cortejo do rei. (1)

Não obstante, o nascimento do carnaval urbano, impulsionado pela elite republicana local parece ter usado o Carnaval como pretexto para parodiar e satirizar o contexto político nacional e/ou local (1908, paródia ao franquismo; 1912, paródia às tropas contrarrevolucionárias monárquicas de Paiva Couceiro; 1923, paródia à chegada do rei da estação de comboio). (2)

Em 1923 tem início a linhagem régia com a figura do rei, interpretado por Álvaro Brito, acompanhada pela sua comitiva de ministros e embaixadores (o que poderá ser uma paródia dos republicanos à vitória do partido monárquico em Torres Vedras, cuja eleição ocorreu em novembro de 1922). A origem do primeiro rei, de acordo com D. Gabriela Alves Verino (filha de Jaime Alves), surge da necessidade de acompanhar a corte de “ministros e matrafonas” que já existia, que seria complementada pela figura do bobo, interpretado por Edmundo Carnide. (3)

A chegada de comboio parece ser também uma recriação satírica da visita régia de D. Manuel II a Torres Vedras em 1908, aquando da comemoração do centenário da Batalha do Vimeiro, ocorrida com grande aparato público quinze anos antes, que terá sido replicada e encenada satiricamente no período carnavalesco. (4)

Em 1924, surge a primeira rainha Jaime Alves, eleito no Grémio na terça-feira de Entrudo, que se junta ao rei Álvaro André de Brito durante vários anos de reinado.

Naturalmente a interpretação da rainha não seria conveniente a uma mulher, pelo que Jaime Alves que integrava o grupo de forcados de Santarém, poderia desempenhar esse papel, não restando dúvidas da sua virilidade dentro da comunidade. Já em Lisboa, quando os reis faziam ações de promoção do carnaval torriense nos intervalos dos espetáculos de diferentes teatros, Jaime Alves terá sido alvo de algumas referências pouco próprias. (5)

Assim, a receção dos reis composta pela comitiva régia de ministros e matrafonas que acompanhavam o rei e a rainha (figura satirizada por um homem) visava parodiar os protocolos reais com o objetivo de satirizar a monarquia (6), que culmina na entronização (bênção e coroação dos reis com os seus atributos reais e simbólicos: coroa, corno e abanico) e na inversão do poder consumada com a entrega da chave da cidade aos reis pelo presidente da Câmara.

Após a folia carnavalesca, na quarta-feira de cinzas tem lugar o enterro do carnaval, onde o rei é julgado e é feita a leitura do testamento (momento de crítica política e social), culminando com a sua condenação à morte e a queima do boneco que o personifica (queima do Entrudo).

  

Notas

(1) Ralha, Jorge (2016). À espera do carnaval de Torres : um corso por Lisboa, Porto; Nice e Torres Vedras, com um saltinho ao Rio de Janeiro (sem samba) : uma revisitação de memórias Em Carnaval : história e identidade. pp. 127-170. Lisboa : Colibri.

(2) Matos, Venerando António Aspra de; Valério, Antero (2015). Carnaval de Torres - Uma história com tradição: 1923-1998. 3ª ed. Torres Vedras : Câmara Municipal de Torres Vedras.

(3) e (5) O carnaval de Torres : o passado e o presente. Zona Oeste : revista regional (1992) Ano 2, nº 13, pp. 22-40.

(4) Almeida, Ana Margarida de Carvalho Miranda (2016). O carnaval de Torres Vedras enquanto manifestação cultural imaterial. Em: Carnaval. pp. 187-202 Lisboa : Colibri.

(6) Umbelino, Jaime Jorge; Silvério, Jorge; Carvalho, Adão Avelino de (2005). A Literatura nos Carnavais de Torres. Torres Vedras : Câmara Municipal Torres Vedras.



Texto: Ana Almeida. Antropóloga, Centro de Artes e Criatividade de Torres Vedras

Fotografia: Ana Maria Hipólito

Última atualização: 09.03.2023 - 12:50 horas
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