Torres Vedras

Melanie Vicente

01.11.2012

Fotografia de Melanie Vicente, Miss Vindimas 2007, durante a entrevista.

Melanie Vicente, uma jovem torriense que foi em 2007 eleita Rainha das Vindimas do concelho, é atualmente a Miss República Portuguesa MUNDO 2012. Recentemente conseguiu um feito quase inédito em termos nacionais, ao se classificar no Top 30 do concurso “Miss Mundo” que teve lugar na China. À [Torres Vedras] Melanie falou dessa experiência, para além de ter abordado outros assuntos como o seu percurso de vida, o panorama da moda e a sua relação com uma outra glória torriense: o seu primo Joaquim Agostinho. Torres Vedras continua a revelar-se uma terra de talentos e de beleza…

 

Pedia-lhe, em primeiro lugar, para falar um pouco da recente experiência que teve na China onde participou no concurso Miss Mundo…

Bom, para começar devo esclarecer que os concursos de Miss Mundo e Miss Universo são distintos. Enquanto o Miss Universo avalia mais a “carcaça”, como lhe chamo, o Miss Mundo avalia desde a “carcaça” ao “miolo”, a tudo… É para mim um concurso que faz muito mais sentido do que o Miss Universo, tem muito mais a ver comigo porque avalia se uma pessoa é capaz de ajudar através da sua beleza interior e exterior uma causa social importante no seu país. No meu caso abordei a questão do abandono dos idosos, já que faço voluntariado no lar Década Dourada em que a minha mãe trabalha.

De resto, foi uma experiência bastante positiva, desde logo porque consegui que Portugal tivesse ficado pela segunda vez no Top 30 do concurso. Em 1971 tinha-se conseguido um 3.º lugar com uma angolana e é um orgulho enorme ter representado o meu país e ter obtido um 16.º lugar, sendo a primeira portuguesa genuinamente de Portugal a ficar no Top 30. Estou por isso bastante feliz, sinto-me super-concretizada.

Por outro lado, ter ido à China foi o concretizar de um sonho…

Por tudo isso acho que o balanço da experiência é bastante positivo.

 

Para participar no concurso Miss Mundo, primeiro foi eleita Miss República Portuguesa. Como foi esse processo?

Bem, em 2010 participei no Miss Mundo Portugal, concurso que entretanto passou a chamar-se Miss República Portuguesa. Fui numa brincadeira, mas fui passando nos castings e cheguei à final onde fui eleita Miss Simpatia. Por me ter sido atribuído esse prémio o ano passado quiseram que fosse representar Portugal no concurso Miss América Latina, em que fiquei em 9.º lugar, e no qual a minha prestação foi bastante apreciada. Entretanto soube-se que a eleição de Miss Mundo ia ser mais cedo este ano e por isso a organização do Miss República Portuguesa teve de acelerar o processo de eleição da representante nacional, não tendo por isso havido oportunidade de se fazer uma gala a tempo do concurso. Assim, convidaram algumas misses que já tinham representado Portugal pelo menos uma vez, de entre as quais eu, para a eleição da Miss República Portuguesa MUNDO, que acabou por ser feita numa discoteca, numa festa fechada, na qual eu fui a escolhida. Posso dizer que nesse processo tive consultas com psicólogos, psiquiatras, advogados e membros da própria organização para avaliar se tinha capacidade ou não para ir representar Portugal. Acabou por ser um processo mais exigente do que uma eleição numa gala.

 

Recuando um pouco mais atrás no tempo, como começou a sua carreira na área da moda?

Quando tinha 12 anos havia um concurso no El Corte Inglês que se chamava Top Model por um dia. A minha mãe achava que devia experimentar, era pouco mais que tirar algumas fotografias. Na altura era nadadora e tive inclusivamente de pedir autorização para chegar atrasada a um treino para poder participar nesse concurso. Pouco tempo depois ligaram-me a dizer que tinha ficado em segundo lugar. A partir daí começaram a surgir algumas propostas, mas eu fui recusando sempre, porque o que me interessava realmente era a natação. Cheguei a ter propostas da Throtleman Infantil, da Benetton e de outras marcas do El Corte Inglés, mas recusei tudo. A minha mãe vendo que não me interessava com as propostas de moda, em 2007, inscreveu-me no “Festival das Vindimas” e disse-me isso na véspera da eliminatória. Nunca tinha desfilado na vida nem andado de sapatos altos, mas o facto é que ninguém que presenciou essa participação acreditou que era a primeira vez que estava a desfilar. Depois, ganhei a final do Festival das Vindimas e participei na primeira eleição da Rainha das Vindimas nacional em que fiquei nas cinco finalistas. Posteriormente surgiram oportunidades de fazer desfiles e sessões fotográficas, se bem que na altura não gostava muito de fazer fotografia, gostava era de passerelle. Hoje curiosamente é o contrário. Até que em 2010 chegou a oportunidade de participar no concurso Miss Mundo Portugal e sucederam-se as situações que já contei... Já mais recentemente ganhei o concurso Miss Facebook, também em algumas vertentes específicas, como o melhor corpo, o melhor olhar, simpatia, fotogenia e popularidade…

 

A Melanie, além de modelo, é também estudante de medicina nuclear. Há até quem considere que pode marcar uma viragem no paradigma da moda nacional e até na cena social na medida em que alia a beleza à inteligência…

Sim, poderei contribuir para acabar com aquele conceito típico dos portugueses de que uma modelo não tem nada na cabeça. Mas o facto é que não sou o primeiro exemplo, existem já vários casos de mulheres portuguesas que se licenciaram e seguiram uma carreira na área da moda. Por isso apenas estou a contribuir para alterar esse preconceito. Como disse, já há várias situaçoes de modelos que nunca desistiram dos seus objetivos académicos, até porque hoje em dia temos de nos agarrar às duas coisas. Por outro lado, confesso que tenho um certo fascínio pela apresentação televisiva, já fiz algumas apresentações de eventos e acho que essas experiências até correram bem…

 

Tem sido difícil conjugar os estudos com a carreira de modelo?

Já há algum tempo que sou trabalhadora-estudante, porque os meus pais a certa altura disseram-me que não tinham possibilidade de pagar a faculdade e por isso tomei a iniciativa de trabalhar. Nos últimos meses tive dificuldade em conciliar a participação na Miss Mundo com os estudos, passei um bocado difícil, mas bem vistas agora as coisas, o curso está quase feito e consegui uma boa prestação no Miss Mundo”. Se uma pessoa gosta do que faz, acaba sempre por conseguir conciliar as situações…

 

E de onde veio o interesse pela medicina nuclear?

A minha ideia inicial era seguir enfermagem, entrei inclusivamente nesse curso em Portalegre, mas não gostei da experiência e por isso optei pelo curso de medicina nuclear porque me interessa a área da oncologia. Não só por ter casos de cancro na família, mas também porque é a doença da moda, infelizmente. E realmente tenho gostado do curso, estou a acabá-lo e espero no futuro trabalhar num hospital oncológico, se não em Portugal, talvez na Suíça, onde tenho família.

 

E quais são as suas perspetivas futuras na área da moda?

Bem, tenho de analisar as oportunidades que surgirem, já tenho alguma visibilidade e vou aproveitar esse fator. Mas posso dizer que as coisas não estão fáceis na área porque cada vez são mais as raparigas que enveredam em Portugal pela mesma…

 

Nunca pensou em enveredar pelo mundo da moda no estrangeiro?

Conheço pessoas que já se aventuraram na área da moda em outros países e as coisas não correram muito bem, é um mundo muito perigoso e que não se adapta à minha personalidade. Prefiro trabalhar na área da moda neste país, prefiro esperar pelas minhas oportunidades aqui e brilhar quando tiver de brilhar…

 

Há alguma modelo que admira de forma especial?

Sim, a Adriana Lima, uma brasileira, lindíssima, que é modelo da Victoria Secrets. Para mim é uma referência porque adorava trabalhar na Victoria Secrets, apesar de não ter altura para isso. A Adriana tem cabeça, tem uma família que a apoia, diverte-se imenso a trabalhar e isso vê-se quando aparece na passerelle. Além disso tem postura nas fotografias.

 

Tem algum tipo de limitações para exercer a sua atividade de modelo?

Uma das condições atuais passa pela proibição de fotografias em lingerie e biquini. Uma miss, como é o meu caso, tem de ser preservada, tem de ter consciência que não pode mostrar o seu corpo de determinadas formas. Também nas entrevistas que dou, há certas abordagens que são proibidas. Mas de resto, posso fazer praticamente tudo, desde que não mostre perversidade. Tenho de ser um pouco conservadora…

 

É exigente a vida de modelo?

O que eu vou dizer não é um exemplo a seguir, mas confesso que já não faço ginásio há um ano, não faço exercício, como tudo aquilo que quero e me apetece, chego a comer um copo inteiro de Nutella, como batatas fritas e happy meals com frequência. Mas isso tem a ver com o meu corpo, que tem um metabolismo rápido. Agora tenho 22 anos, mas um dia provavelmente vou ser obrigada a ter cuidados em termos de alimentação e de exercício…

 

Há uma questão social preocupante que ganhou especial importância a partir dos anos 90 que se prende com o narcisismo pelo corpo, o privilégio que se dáà aparência física em detrimento das questões interiores da pessoa. Qual é a sua opinião acerca deste tema?

Eu acho que as pessoas que privilegiam demasiado o corpo, e especialmente aquelas que são excessivamente magras, não têm autoestima. Eu sou uma pessoa com autoestima, posso não ser a pessoa com o melhor corpo, mas luto para que as coisas sejam à minha maneira, para que possa ter o corpo como eu gosto e não como outras têm. Temos de ter autoestima e gostar do nosso corpo como ele é…

 

Acha que a tendência das modelos excessivamente magras, algo que ganhou força também nos anos 90 com o fenómeno do grunge, já está mais atenuada?

Sim, desde o aparecimento da Victoria Secrets, não se vê aquelas modelos demasiado magras… Aliás, um dos conceitos da Victoria Secrets é mostrar a verdadeira mulher, com alguma anquinha, com peito, com alguma constituição, que não seja só ossos. Infelizmente ainda se vê algumas modelos muito magras, algumas autênticos “sacos de ossos”, e essa imagem para uma adolescente que tem perspetivas na área da moda pode até ser perigosa. Mas felizmente é uma tendência que está a desaparecer. Cada vez se valoriza mais a mulher “cheinha”. Temos o caso da Adéle, que é gordinha, e foi considerada uma das raparigas mais bonitas do mundo.

A tendência de hoje é para se privilegiar as mulheres autênticas, que tenham personalidade. Cada vez mais se aposta na autenticidade, na singularidade da pessoa.

 

Como se define?

Prefiro definir-me com base naquilo que as pessoas dizem de mim, senão seria suspeito o que vou dizer. Descrevem-me como uma pessoa humilde, honesta, extrovertida, às vezes até um bocado maluca. Também dizem que sou muito orgulhosa e teimosa. Ja pessoalmente, acho que sou bastante perfeccionista. No fundo acho que sou uma rapariga normal…

 

Que hobbies tem? Já sei que é surfista…

Sim, comecei a fazer surf nas praias de Santa Cruz, mas há uns tempos no Porto roubaram-me a prancha e não tenho tido de resto possibilidade de comprar outra, embora espero o fazer daqui a uns meses, porque o surf é algo que me faz muito bem à cabeça.

Como qualquer mulher gosto de ver telenovelas. Adoro animais, já cheguei até a ter uma ovelha em casa e atualmente tenho um cão, galinhas e patos. De resto, gosto de nadar, de fazer ginásio, de passear na praia, de ir ao cinema, de ler - apesar de não ter muito tempo para isso -, de estar com os meus amigos e de viajar.

Uma coisa que vou lutar é para ter a minha tranquilidade, a minha paz e sossego, no fundo, a minha felicidade…

 

Agora, uma pergunta típica de concursos de beleza: tem algum desejo em especial para o mundo?

Gostava muito que se encontrasse a cura para o cancro…

 

Fale-me um pouco do seu percurso de vida numa perspetiva mais pessoal…

Apesar de ter um nome francês, nasci em Torres Vedras, mas efetivamente fui concebida na Suiça onde os meus pais estavam emigrados. Durante 10 anos vivi em Torres, mas a certa altura os meus pais quiseram que eu tivesse um espaço maior para brincar e com mais segurança. Assim, quando fui para o 5.º ano construímos a nossa casa, num terreno nosso, perto das Brejenjas, mais precisamente no Casal do Moinho Velho. É onde vivo até hoje, apesar de nos últimos quatro anos ter também vivido em Lisboa. Como já disse anteriormente, fiz natação, de competição, dos meus 8 até aos meus 18 anos, na Física. Também cheguei a fazer atletismo e triatlo…

 

E é familiar de uma antiga glória torriense…

Sim, do Joaquim Agostinho, a minha avó materna também era das Brejenjas e era prima dele…

 

Gosta de viver na zona de Santa Cruz?

Gosto, e não troco isso por nada. Tenho amigos do norte que adoram vir aqui e até estão a tentar arranjar emprego na zona porque ficaram apaixonados por ela…

 

Gostava de deixar alguma mensagem especialmente às jovens torrienses que também queiram enveredar por uma carreira na área da moda?

Na minha página do facebook muitas raparigas têm-me pedido conselhos nesse sentido. Um dos que dou é que não devem tentar obter um título de miss para entrar no mundo da moda, isso é um erro. E digo também para acreditarem nelas próprias, lutarem e terem autoconfiança e autoestima, não se guiarem por modelos, para serem sempre honestas e humildes... 

Entrevista extraída da edição nº11 (novembro/dezembro de 2012) da revista municipal [Torres Vedras]

Última atualização: 13.08.2019 - 12:28 horas
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