Torres Vedras

Linhas de Torres Vedras

01.11.2012

Linhas de Torres Vedras

Após a batalha do Buçaco, os corpos avançados dos exércitos aliados chegaram às Linhas de Torres Vedras, a 7 de outubro e, dois dias depois, os corpos avançados do exército invasor, sob o comando de André Masséna. Na frente das Linhas, o exército invasor estacionou cerca de um mês, entre 9 de outubro e o final do dia 19 de novembro de 1810.

Destes tempos, ficaram-nos os relatos dos párocos de São Domingos de Carmões, São Pedro de Dois Portos e de Santa Susana do Maxial, testemunhando atos de violência, tortura, roubos e mortes, a queima de alfaias religiosas e agrícolas, assim como de casas, mas também a profanação de templos, para além da destruição dos arquivos paroquiais.

A violência era incutida nos habitantes, mormente pelo exército francês, tornando os poucos que encontravam no seu caminho vítimas de maus tratos e de tortura, devido ao facto de não terem tido tempo ou condições físicas para abandonarem as suas casas e fugirem para o interior das Linhas, como fizeram quase todos os habitantes destas freguesias, permanecendo em suas casas apenas os doentes, velhos e entrevados. Seriam encontrados no regresso das populações, depois de Março de 1811, uns mortos, outros repletos de miséria e fome.

Conhecemos os testemunhos, por vezes nominais, que ultrapassam as duas dezenas de mortos, fruto da violência – por arma de fogo, enforcamento, pancada, tortura ou fome -, um número reduzido para a realidade de então, mas relevante se tivermos em conta a deslocação das populações para o interior da 1.ª Linha de defesa. Mas morria-se muito mais facilmente de fome, experimentada por quem permaneceu em casa, onde o abastecimento inglês ou a entreajuda popular não chegava. Fome que antecipava a chegada das doenças, como o surto de tifo que grassou entre finais de 1810 e inícios de 1811, que se mantinha ativo ainda em finais de Julho de 1811, levando à cama famílias inteiras, e ditando-lhes, por vezes, desfechos mais trágicos. Só no 29 de Julho de 1811, a epidemia ceifou sete vidas na freguesia de Carmões.

Para além das violências infligidas diretamente à população, outras lhe causaram igual dano, vendo-se obrigada a sair das suas casas e a confrontarem-se, no regresso, com as mesmas destruídas e despojadas de tudo o que nelas havia. Portas, janelas, mobílias e trastes em madeira foram queimados, quebrando os demais ornamentos que o lume não consumiria.

A par destes danos, os exércitos destruíram e profanaram as igrejas e ermidas do território, não apenas os edifícios, mas também os trastes e os ornamentos. A maior parte ficou impossibilitada de manter o culto, por vezes sem telhado, sem as portas e janelas, assim como outros ornamentos em madeira queimados pelos soldados, maioritariamente para seu aquecimento. A par da destruição, as relações referem quase sempre os roubos das “preciosidades”, assim como a utilização e a destruição das vestes sacras para a sua própria cama ou para vestirem, na procura de manter o corpo seco, quando os dias eram chuvosos e frios. Também não deixaram de arrombar os carneiros e de revolver o próprio soalho das igrejas, na procura de alfaias enterradas. Muitas igrejas acolheram os soldados que, encontrando as suas portas fechadas, as arrombavam, como também serviram de armazéns, paióis, cavalariças ou açougues, profanando-as deste modo. Todavia, o desrespeito de que foram alvo as igrejas não foi exclusivo dos franceses, devendo-se idênticos danos aos exércitos aliados.

Em suma, estes são alguns dos muitos testemunhos de violência e sofrimento de que a população torriense foi alvo. Hoje, passados dois séculos sobre esses acontecimentos, parecem ouvir-se as suas dores e preces….

Carlos Guardado da Silva

Última atualização: 13.08.2019 - 15:26 horas
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