Torres Vedras

D. Nuno Brás

01.03.2015

D. Nuno Brás

D. Nuno Brás é há três anos bispo-auxiliar de Lisboa. Atualmente com residência oficial no Sobreiro Curvo, cresceu entre os concelhos de Torres Vedras e da Lourinhã, e apesar dos afastamentos temporários das suas origens sempre se manteve ligado às mesmas. Recentemente, no Feriado Municipal, recebeu a medalha de mérito municipal de grau ouro, facto que, confessa, o surpreendeu. À [Torres Vedras], D. Nuno fez um balanço das suas atuais funções, falou do seu percurso de vida, da realidade do concelho, do envolvimento social e político dos cristãos, e do futuro. Segundo Nuno Brás, não devemos “desacreditar nem desistir do ser humano porque Deus também não o faz”...

Como foi o seu chamamento para a vida religiosa?

Bom, eu nasci numa família católica, no Vimeiro, fui aluno no Externato de Penafirme durante vários anos, e concluí o liceu na Escola Secundária da Lourinhã.

A dada altura surgiu em mim a possibilidade de seguir a vida religiosa numa semana vocacional que realizei em 79 no Seminário de Almada. Eu fizera parte do grupo que fundou o agrupamento de escuteiros de A dos Cunhados e na altura fomos à missa nova do recém-ordenado padre Manuel Clemente, tendo no jantar dessa missa sido convidado a participar nessa semana. E o tema dela era “Tenho pena desta multidão, são como ovelhas sem pastor”. E no Seminário de Almada, que fica perto do Tejo, avistando-se de lá Lisboa, percebi que Nosso Senhor me convidava a ser pastor dessa multidão que era a diocese de Lisboa. Então, entrei no seminário, fiz a licenciatura na Faculdade de Teologia da Universidade Católica, tendo estado dois anos no Seminário de Almada e mais cinco no dos Olivais até ser ordenado. Voltei então a encontrar o padre Manuel Clemente, como membro da equipa formadora do Seminário dos Olivais, e também como professor de História da Igreja.

A 4 de julho de 87 fui ordenado sacerdote pelo então cardeal patriarca D. António Ribeiro. A seguir, fui durante dois anos coadjutor da Paróquia dos Anjos, em Lisboa, e também redator do jornal A Voz da Verdade. No fim desse tempo fui mandado para Roma, para estudar comunicação social e começar os trabalhos de doutoramento em teologia. Regressei em 93 a Portugal para integrar a equipa formadora do Seminário dos Olivais, onde tive oportunidade de trabalhar com D. Manuel Clemente e D. José Policarpo. Até 2003 desempenhei essas funções, fui professor na Faculdade de Teologia, e era diretor do jornal A Voz da Verdade. A partir do momento que fui fazendo o doutoramento fui também dando aulas como professor convidado em Roma, onde durante duas semanas lecionava um curso intensivo em Teologia e Comunicação.

Numa dessas idas a Roma parti uma perna a jogar futebol e quando estava já em Lisboa, no hospital, o então cardeal patriarca D. José Policarpo veio convidar-me para ser o reitor do colégio português em Roma. E então, de 2002 a 2005, regressei a Roma como reitor desse colégio.

A sua atividade na área da comunicação foi para além das formações e da participação no jornal A Voz da Verdade?

Essencialmente foi A Voz da Verdade que me ocupou na área da comunicação. Para além disso, fiz parte da equipa de sacerdotes que celebra a missa dominical na RTP1. Fui, ainda durante um ano e tal, antes de ser bispo, porta-voz do Patriarcado enquanto coordenador de toda a comunicação com a comunicação social. Fui também correspondente da Rádio Renascença em Roma, onde por exemplo, acompanhei as negociações para o tratado de paz em Moçambique, fiz a cobertura da primeira visita do Boris Ieltsin ao papa João Paulo II, da "Operação Mãos Limpas", embora o meu trabalho se centrasse principalmente nos eventos diários do Vaticano. Recordo-me do esforço de resumir uma encíclica do papa num minuto. Mas foi uma experiência que me deu algum traquejo. De resto, tive também algumas outras participações, pontuais, na Rádio Renascença, para além de ter sido assistente eclesiástico da Liga dos Amigos dessa rádio. À TVI nunca cheguei a estar ligado, embora tenha tido alguns convites, tendo até chegado a pensar em parar o doutoramento em teologia para responder aos mesmos, mas o D. António Ribeiro não me o permitiu, o que lhe agradeço (risos). O convite era para ser realizador das missas dominicais, e sabe Deus o que eu seria hoje se tivesse enveredado por esse caminho (risos). Seria padre, certamente, mas mais não sei…

(...) neste momento vive-se no entanto o drama de algumas pessoas que têm valores, são cristãs, mas têm vergonha (...)

Mas prosseguindo pelo seu percurso…

Bem, em 2005 vivi, em Roma, aquele abril da morte do papa João Paulo II, e ainda nesse ano regressei a Portugal para ser reitor do Seminário dos Olivais, coordenando as equipas deste seminário e do de S. José de Caparide, tendo a responsabilidade final da ordenação dos sacerdotes.

Até que em 2011 recebi um telefonema do núncio apostólico a dizer que o papa queria falar comigo para me propor o cargo de bispo auxiliar de Lisboa. E se há 24 anos dizia que sim à Igreja não seria naquela ocasião que faria o contrário. Fui então ordenado nesse cargo em novembro de 2011 no Mosteiro dos Jerónimos por D. José Policarpo, num ato em que participou também D. Manuel Clemente.

Quais são as suas competências como bispo auxiliar?

Como bispo auxiliar partilho com o senhor bispo o ministério do serviço do bispo da diocese de Lisboa. Não sou o patriarca de Lisboa, nem o quero ser, Deus me livre de alguma vez esse cargo me cair em cima das costas (risos), mas ajudo o Patriarca de Lisboa. Enquanto partilho com ele do ministério episcopal tenho a responsabilidade por toda a Igreja Universal, mas concretamente como bispo auxiliar de Lisboa partilho com o senhor patriarca o ministério de toda a diocese de Lisboa no geral e, mais particularmente, até à recente ordenação do D. José Traquina, também partilhava da responsabilidade das vigararias do Oeste (que são Alcobaça/Nazaré, Caldas/Peniche, Lourinhã e Torres Vedras), para além das que ainda tenho agora (que são Mafra, Loures/Odivelas, Sacavém, Vila Franca de Xira/Azambuja e Alenquer). Digamos que nestas vigararias sou a presença do bispo mais perto dos sacerdotes, de todos os cristãos, das diferentes comunidades, dos movimentos que lá estão presentes, etc.

Que balanço faz dos cerca de três anos em que tem desempenhado as funções de bispo auxiliar?

O ser bispo auxiliar tem uma vantagem: o problema resolve-os o bispo diocesano (risos). Há sempre alguém a quem podemos recorrer e a responsabilidade última é sempre dele.

Depois, o próprio facto de ser bispo é algo de imerecido, indevido... Não posso neste cargo deixar de perceber as minhas limitações humanas e cristãs, e que esta tarefa de ser bispo é grande demais...

Por outro lado, é muito bonito perceber como as comunidades acolhem o bispo, como a presença do bispo, do sucessor dos apóstolos, é importante para aquelas pessoas em concreto.

Por outro lado ainda, ao conhecer bem a diocese de Lisboa, agradou-me encontrar nela pessoas mais vivas do que aquilo que imaginava, embora onde o bispo vá as igrejas estão sempre um pouco mais cheias.

(...) estes anos de crise em Portugal teriam sido piores se não houvesse uma almofada de proximidade das comunidades cristãs (...)

Penso que estes anos de crise em Portugal teriam sido piores se não houvesse uma almofada de proximidade das comunidades cristãs, de gente que distribui roupas, alimentos, que é importante para os problemas se resolverem. Também os lares e os centros de dia que a Igreja criou fazem um excelente trabalho.

Depois, há também os problemas dos fieis que se queixam dos padres, dos padres que se queixam dos fieis, daquele padre que quer sair, bom, mas isso são os problemas de gestão normal…

Posso dizer que Lisboa é uma diocese viva, inserida numa comunidade maior que é a comunidade humana. É uma diocese que tem várias nuances: a cidade em si com o seu envelhecimento, com as pessoas de passagem; depois, a grande cintura de Lisboa, que são dormitórios ou já não são tanto como isso, com um urbanismo muito selvagem, onde até é necessário criar realidades humanas; para chegarmos ao Oeste que já não é um mundo tão rural como antigamente, já que tem cidades com dimensão, um tecido urbano cada vez mais extenso e está muito perto de Lisboa com a A8.

E como vê o caso concreto de Torres Vedras? Sempre foi uma terra de muitas vocações religiosas…

Basta ver que o patriarca é de Torres Vedras, um dos bispos auxiliares é também do concelho, tal como um dos vigários gerais e um cónego (risos). Bom, creio que há duas realidades muito importantes a esse nível. Uma delas é o Convento do Varatojo que sempre desempenhou na zona, até Peniche, um papel muito importante em termos de evangelização. Por outro lado, trata-se de uma sociedade com valores tradicionalmente cristãos, onde o cristianismo entrou através de sacerdotes exemplares, como o padre Joaquim Maria de Sousa, em Torres Vedras, ou o padre José Faria Lopes, em A dos Cunhados. Neste momento vive-se, no entanto, o drama de algumas pessoas que têm valores, são cristãs, mas têm vergonha de o ser. Apesar de tudo a comunidade católica da vigararia de Torres Vedras é uma referência mesmo para a própria comunidade humana.

Como vê então o envolvimento dos cristãos na vida social e política?

Vejo com alguma preocupação, porque vejo poucos. Quer dizer que existimos, Graças a Deus, que fazemos a diferença, Graça a Deus, mas somos poucos. E vejo que a vida política hoje tem dinamismos que são difíceis de se compatibilizar com a vida cristã. O mesmo se passa com a vida empresarial. Por exemplo, um patrão tem de despedir, mas quem? Um profissional mais competente ou um que é chefe de família? Ou um político que tem de tomar certas medidas mas com isso pode perder as eleições… São situações que sempre se colocaram mas que hoje ainda são mais prementes.

Agora, é preciso gente pública que seja cristã. A sensação que me dá é que há um divórcio entre a vida pública e a vida pessoal. É pena não haver mais cristãos na vida pública que “vistam a camisola”…

Vê o futuro com otimismo?

Claro. Digamos que Jesus Cristo quase nos obriga a olhar o futuro com otimismo. E a não desacreditar nem desistir do ser humano porque Deus também não o faz. Significa que temos de nos converter a nós próprios mas depois também ajudar os outros a serem mais cristãos.

Como tem sido a sua relação com o concelho de Torres Vedras ao longo da sua vida?

Apesar de ter nascido no concelho da Lourinhã, Torres Vedras para mim foi sempre um ponto importante. Lembro-me quando criança que o meu pai ia todas as semanas por questões profissionais a Torres e trazia-me sempre um livro. Torres Vedras foi sempre a cidade que estava ali ao lado.

O facto da minha mãe ser do concelho de Torres Vedras fez com que boa parte da minha infância tivesse sido passada na zona de A dos Cunhados. De facto, sou quase tanto do Sobreiro Curvo como sou do Vimeiro. E o facto de ter estudado no Externato de Penafirme deu-me a oportunidade de conhecer muita gente do concelho de Torres Vedras.

A cidade de Torres hoje está muito maior do que quando a conheci, quando acabava praticamente na Graça. É uma cidade muito humana, onde se pode viver com qualidade e que está próxima de Lisboa. É interessante verificar que muita gente da zona de Torres Vedras vai trabalhar para Lisboa mas que se dá também o contrário, e isso vê-se na A8 durante as célebres “horas de ponta”. Torres tem uma vida própria. E é uma referência para todas aquelas mini-cidades que estão à sua volta. Grande parte das sedes de freguesia do concelho são, na realidade, maiores do que muitas cidades. Torres Vedras tem de facto dado passos muito grandes, seja em termos de urbanismo, seja em termos culturais. E esta proximidade com Lisboa é realmente essencial.

Atualmente a minha residência oficial é no concelho de Torres Vedras, no Sobreiro Curvo, onde tenho uma casa. A grande vantagem do concelho de Torres Vedras em relação aos da cintura de Lisboa é que tem melhores condições de vida. Tem mar, tem montanha, tem o verde dos campos, a autoestrada que vai para Lisboa, o aeroporto a meia hora de distância e dá a possibilidade de se viver numa "casa humana". Portanto, compreendo todas aquelas pessoas que vêem todos os dias trabalhar para Lisboa, acho que fazem uma ótima opção.

Do seu percurso, há momentos que gostasse de realçar para além daqueles que já referiu?

Sim. Os momentos em que tive a graça de estar ao pé dos santos padres. São momentos a que dou particular importância, principalmente depois da canonização de João Paulo II, um homem que hoje é santo. E isto de contactar com um santo faz estremecer...

Depois, houve momentos mais solitários, outros mais acompanhado, como as Jornadas Mundiais da Juventude. Tenho tido os meus momentos alegres, os meus momentos tristes, e a nossa vida é feita de todos eles. É preciso é caminhar ao longo de todos eles. Faz parte da experiência humana...

Foi importante para si receber a medalha de mérito municipal?

Foi claramente uma surpresa, foi daquelas coisas de que não estava minimamente à espera. Foi gratificante e estou de facto agradecido à Câmara de Torres Vedras. Agora, vejo essa distinção não tanto dada ao cidadão Nuno Brás Silva Martins que mora no concelho de Torres Vedras mas antes ao bispo auxiliar de Lisboa que por acaso mora no concelho de Torres Vedras. Neste sentido é também um reconhecimento do que as comunidades cristãs do concelho de Torres Vedras são para o próprio concelho. Convenhamos que não fiz nada de transcendente para a merecer. As comunidades cristãs sim, que fazem todos os dias tanta coisa importante pelo concelho...

(...) a comunidade católica da vigararia de Torres Vedras é uma referência mesmo para a própria comunidade humana (...)

Gostaria de deixar alguma mensagem aos seus conterrâneos neste momento económico e social delicado que se atravessa?

A mensagem que posso deixar está ligada à alma torriense, que é a de não desistir perante as dificuldades, e que faz parte também da alma portuguesa. As dificuldades quase que nos aguçam o engenho. Por outro lado, quero dizer que muito daquilo que os torrienses procuram, encontrem essa resposta em Deus, procurem que encontram Deus, se é que já não O encontraram...

Publicado: 26.03.2015 - 11:34 horas
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