Torres Vedras

Alfredo Martins

01.07.2013

Alfredo Martins foi Piloto de aviões durante décadas, sendo portador de muitas horas e histórias perto do céu. Depois de ter crescido nos Cucos e iniciado a sua carreira aeronáutica no aeródromo de Torres Vedras a vida levou-o, não só alto, mas também longe. Como o bom filho à casa torna, regressou à sua terra exercendo atualmente as funções de diretor daquele equipamento, situado em Santa Cruz. Com 72 anos e uma já longa e vivida vida, Alfredo Martins esteve à conversa com a [Torres Vedras], tendo feito um balanço da sua vida profissional e abordado outros assuntos como a evolução da aviação, a tradição de Santa Cruz na área da aeronáutica e o desenvolvimento desta estância balnear e do concelho...

 

Para início de conversa, pedia-lhe que falasse um pouco sobre o seu percurso de vida…

Nasci em Lisboa, o meu pai era da zona da Guarda e a minha mãe do Cadaval. Com seis anos vim viver para os Cucos, razão pela qual me sinto torriense. Fiz o liceu e quando o acabei fui para a escola de aviação do Aeroclube Clube de Torres Vedras onde concluí o curso de piloto particular de aeroplanos em 1959. Depois fui instrutor no aeroclube, onde formei 60 pilotos. Posteriormente estive na TAP durante cinco anos, o que foi interessante pela motivação tecnológica que tinha na altura. Após isso, durante três anos, pilotei um avião ao serviço da empresa das Águas do Vimeiro, com o qual aterrava onde é hoje a estrada de Santa Rita. Foi uma fase interessante, aterrava numa pista muito curta, muito difícil, sem estruturas nenhumas de apoio, não tinha rádio, não tinha informação meteorológica… Era motivante porque na altura tinha 28 anos, mas hoje com 72 reconheço que havia dias em que a operação era um bocado delicada, mas felizmente correu tudo sem incidentes. Nessa época, 1968, 1969, 1970, chegava a ir três vezes por dia buscar golfistas ao aeroporto de Lisboa num avião de oito lugares. Demorava catorze minutos. Estava tudo coordenado, era gente com poder económico para a época, e Isto era um conceito muito avançado para o turismo da altura, o que demonstra a visão do senhor Belchior.

Estou feliz pelo meu trajeto de vida profissional. Devo confessar que sou um apaixonado da aviação, acabei a minha carreira com cerca de 20 mil horas de avião.

Após essa fase estive nos transportes aéreos de Cabo Verde durante 21 anos, de 1972 a 1993, onde exerci funções de piloto e instrutor, depois do 25 de abril com o estatuto de cooperante do Estado Português, a convite do governo cabo-verdiano. Trabalhei na formação dos pilotos cabo-verdianos que após a independencia tinham sido brevetados em países como a União Soviética, o Gabão, a Tunísia ou a Bélgica que lhes tinham oferecido bolsas de formação. Na Companhia de Transportes Aéreos de Cabo Verde dei-lhes a preparação final para serem pilotos em linha, de aviões de turbo-hélice de 48 lugares. Sem qualquer intenção de autoelogio, as pessoas de Cabo Verde diziam que ao fim de 21 anos eu era uma boa herança do colonialismo. A formação que dava era muito boa e também por isso deixei em Cabo Verde um bom grupo de amigos. Hoje, os pilotos que instruí, são comandantes de Boeings 757.

Posto isto, estive de novo na TAP onde fui instrutor de simulador de voo, implementando a respetiva secção. Na altura, quando apresentávamos o simulador do Caravel, era uma coisa de outro mundo... Reformei-me e hoje exerço as funções de diretor do aeródromo municipal de Torres Vedras.

Estou feliz pelo meu trajeto de vida profissional. Devo confessar que sou um apaixonado da aviação, acabei a minha carreira com cerca de 20 mil horas de avião.

Ao longo dessas muitas horas de aviação há algumas peripécias que recorde em particular?

Quando ainda era novo, tinha 22 anos, fiz um voo de planador na Serra de Montejunto de seis horas e um quarto, na época foi um recorde nacional. O planador saiu de Santa Cruz rebocado, chegámos aí a Monte Redondo, largámos o cabo de reboque e fiquei a voar na Serra de Montejunto até aterrar lá num terreno. Tivemos de levar um lenço branco para ter uma referência para aterrar. O planador após a aterragem foi desmanchado e veio de reboque para Santa Cruz. Foi em 1963, no dia 13 de maio, há 50 anos. Na altura era realmente preciso um certo espírito...

Já quando estava em Cabo Verde cheguei a ter casos de partos eminentes no avião, de chegar ao aeroporto e pedir assistência e o bebe nascer à chegada na placa. Então as pessoas davam ao bebe o meu nome como forma de agradecimento. Há 3 ou 4 Alfredos de que não sou o pai, mas a quem dei o nome. A maior parte dos pais desses bebes eram imigrantes na América e como recompensa perguntavam-me que presente queria. Eu pedia para me trazerem umas luvas fininhas das que haviam na América, e passado sete ou oito meses quando já não me lembrava do episódio apareciam-me com as luvas.

Já outra vez, na ilha do Sal, o trem de aterragem não saía. Passei por cima da torre do controlador e perguntei qual era a situação do trem. E ele disse-me que o trem estava pendurado. E eu respondi-lhe tranquilamente que quem estava pendurado era eu. Foi a gargalhada geral. Mas correu tudo bem, a situação foi resolvida…

Como começou o seu interesse pela aviação?

O meu pai era GNR e quando era criança, tinha 4 ou 5 anos, ainda vivia em Lisboa, caiu um biplano perto do Bombarral e eu pedi para ir com ele. Ele sentou-me no avião e eu na altura disse-lhe que queria era aviões. Não o viria a enganar… Já quando vivia cá, tinha 11, 12 anos, havia um sítio em Torres Vedras, na Serpa Pinto, onde se fazia aeromodelismo, até às 10 e meia da noite. E ao fim de semana vínhamos até Santa Cruz, desmontávamos os modelos no autocarro e depois remontávamo-los, e experimentávamo-los no aeródromo. Era uma alegria, sentíamo-nos motivados. Entusiasmei-me com o espaço do aeródromo e a sua vivência e com 18 anos vim aqui tirar a licença de piloto particular de aeroplanos. Já na época as pessoas sentiam em Torres Vedras as coisas da aviação com muita força.

A preparação dada no Aeródromo de Torres Vedras sempre foi boa?

Sim, foi sempre uma preparação cuidada, muito profissional.

Só me lembro de um acidente mortal, nos anos 50, na Aldeia Gavinha, de um avião saído daqui. Era um avião que estava baseado no aeródromo, mas que não pertencia ao aeroclube, era de dois sócios. É realmente demonstrativo da segurança que existe no aeródromo.

Eu pertenci a uma geração de revolução tecnológica. Hoje um piloto quando começa a pilotar um avião já viu o simulador durante centenas de horas, já tem um contacto visual com tudo aquilo que o vai envolver.

Aliás, a aviação comercial vai beber a sua tecnologia na NASA e os automóveis vão beber a sua tecnologia nos aviões. As pessoas não fazem ideia de que as inovações de hoje nos automóveis são coisas que há 30 anos os aviões já tinham. O ABS, por exemplo.

Ainda há um certo medo em relação à segurança dos aviões. Concorda com esse receio?

Não, de maneira alguma. Há um rapport internacional, um valor chamado de "ano negro" em aviação, que são as 1500 mortes por ano. Felizmente esse valor tem estado a diminuir. Neste momento quem afeta esse valor de segurança são alguns países da África central, devido a questões logísticas e de formação, e os países da ex- -União Soviética, porque quando se deu o desmembramento desta houve muita adulteração de documentos. Hoje em dia há já aviões de turbo-hélice em que a razão de avaria é de uma em cerca de 300 mil horas de trabalho, para lhe dar a ideia da fiabilidade dos aviões. Nos últimos 2/3 anos o número de acidentes de aviação já está baixo dos mil.

A esse propósito, um dia perguntaram a um indivíduo que vivia nos confins de Angola como tinha sido a sua experiência de andar de avião pela primeira vez e ele disse que o avião era uma coisa que anda devagar mas chega depressa (risos).

O índice de segurança hoje em dia nas viagens de avião é de facto elevadíssimo.

Sempre se deu bem com a experiência de voar?

Sempre. Quando era jovem chegava a dizer em graça que gostar de aviões era pior do que gostar de certas mulheres. O Homem teve sempre a ansia de voar. Não será no nosso tempo, mas acho que um dia o Homem vai estar autónomo para voar. Voar é um fenómeno que liberta o Homem e o torna feliz, no azul do céu. Vencer a gravidade é algo efetivamente de incrível. Para mim voar é uma paixão. Não concebia a minha vida sem ter sido a voar.

De onde veio a tradição aeronáutica de Santa Cruz?

As primeiras aterragens são de 1931 com o tenente Manuel Gouveia, da chamada “aviação heroica”. Vinham de Sintra ou da Amadora e aterravam aqui. O Aeroclube só aparece em 1946. Antes isto era um milheiral, onde até havia um moinho. As pessoas começaram a vir, a interessar-me e muitas figuras de peso da aviação nacional ficaram ligadas ao aeródromo. E de facto o espaço do aeródromo melhorou bastante ao longo dos anos, não tem nada a ver com o que conheci…

E o aeródromo deu uma certa magia a Santa Cruz…

Sem dúvida… É também uma mais-valia porque as pessoas continuam a gostar de ver aviões, movimento. E há um aspeto importante, que a maior parte das pessoas desconhece, relacionado com o apoio do aeródromo à proteção civil. Já me têm telefonado às 2 e 3 da manhã para aterrarem aqui helicópteros devido à ocorrência de acidentes. Essa vertente é um bocado desconhecida das pessoas mas é de muita utilidade.

Que atividade existe no aeródromo?

Há voos publicitários, há cursos de pilotos, há oferta de voos.

E no verão é muito frequentado por aviões que chegam de fora. Chegam a parar aqui 14 aviões num dia, de pessoas que têm o seu próprio avião e fazem aqui escala. Saem do norte da Europa, dormem uma noite aqui e continuam. Até em termos turísticos é vantajoso. E nós, à boa maneira portuguesa, recebemos bem, temos hospitalidade. As pessoas ficam agradadas e prometem voltar. E voltam.

Na sua opinião hoje em dia já não existe o interesse pela aeronáutica que existiu em outros tempos?

Hoje a dispersão em termos de interesses é muito maior. A juventude, por exemplo, interessa-se muito mais pelos desportos radicais, como o bodyboard ou o skysurf. Há 40 ou 50 anos não havia esses desportos, a aviação é que era uma espécie de desporto radical. Hoje, 99% dos indivíduos que vêm para aqui estão a pensar numa formação profissional e não num desporto.

Acha que Santa Cruz tem evoluído positivamente?

Teve a evolução possível. Contudo, tanto Santa Cruz como Torres Vedras são sítios com boa qualidade de vida.

Estive 21 anos fora e quando voltei encontrei uma terra muito maior e com muito mais dinâmica. Torres antes era uma zona industrial e hoje é de serviços. Isto para além da grande área de estufas que existe na zona litoral do concelho. E verifica-se que tem uma centralidade na região.

Como tem visto o trabalho da Câmara Municipal no que toca à evolução do concelho?

Acho que tem tido à sua frente gente muito motivada, acredito na motivação que têm no desenvolvimento do concelho.

Última atualização: 13.08.2019 - 12:22 horas
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