Torres Vedras

Rui Estrela e Raquel Luz

01.05.2014

O "Torres INOV-E" é um programa recente, lançado pela Câmara Municipal e pela associação Estufa, que pretende revolucionar a economia local, a partir do centro histórico de Torres Vedras,  por meio da criatividade e do talento. Para saber  mais sobre esta iniciativa a [Torres Vedras] esteve  à conversa com Rui Estrela, presidente da referida associação, e Raquel Luz, do Gabinete de Apoio às Empresas da Câmara municipal de Torres Vedras... 

Em que circunstâncias surgiu o Torres INOV-E?

"(...) O associativismo é uma das melhores universidades para se aprender como as coisas se fazem (...) Rui estrela O Torres INOV-E surgiu em 2012, na altura um projeto com outro nome, no seguimento de um desafio que a Câmara Municipal lançou a associações culturais do centro histórico de Torres Vedras, para desenvolverem um conceito para espaços pop-ups de criação, de ocupação de espaços por 1 a 3 meses, no máximo. Aquilo que nós, Estufa, na altura ponderámos foi apresentar em paralelo e como complemento um conceito de ocupação de maior longevidade para esse projeto, que levasse as pessoas não apenas a passar pelos espaços, mas a usarem-nos para um negócio de futuro.

Desta forma, a ideia acabou por ser um pouco desencadeada por iniciativa da autarquia, mas depois tomou uma ambição diferente, com o propósito específico de ligar as artes à economia. Apresentei esta proposta de empreendedorismo à Câmara solicitando apoio para a desenvolver e o desafio foi bem acolhido e acabou por ser desenvolvido ao longo do tempo.

Em agosto do ano passado acabamos por fazer uma fusão de equipas, da Estufa e do Gabinete de Apoio às Empresas da Câmara Municipal, para então passarmos à concretização de forma mais específica do desenho que tinha sido forjado em termos gerais. Entretanto as coisas foram para o terreno, foram sendo postas em prática, e o nome Torres INOV-E surge já em 2014. A Semana INOV-E acontece em março para lançar o programa com os seus três eixos de execução.

Quais são os principais objetivos do Torres INOV-E?

Rui Estrela - Um dos principais objetivos do programa, tendo em conta o que elenquei, tem a ver com a dinamização do centro histórico de Torres Vedras, mediante a instalação de uma incubadora de empresas a céu aberto nessa zona. Depois, desenvolvemos outros dois eixos, que visam capitalizar a dinâmica que queremos provocar com o primeiro eixo e ampliá-la para outras zonas do concelho. Pretendemos dessa forma também trazer empresas para o concelho, ajudar à sua relocalização, quer dos negócios em si, quer das sedes sociais.

Têm objetivos já traçados a curto e a médio prazo para o programa?

Raquel Luz - Pretendemos  a dinamização do centro histórico, e apoiar também o tecido empresarial já existente. Pretendemos igualmente a sediação de mais empresas no concelho, até porque temos vantagem no que toca ao acesso a fundos comunitários em relação a Lisboa. Queremos também trazer ideias novas, que possam trazer algo de novo para Torres Vedras.

Há algum tipo de negócio em especial que gostassem de trazer para o concelho?

Rui Estrela - Desde o início a nossa aposta nunca foi limitativa em termos de áreas de negócio, embora haja um foco importante na economia baseada no conhecimento. Acreditamos que existe um capital humano que nesta fase do ciclo económico em que vivemos pode ser um fator diferenciador, até pela escassez de financiamento atual. O que nós pretendemos fazer com este programa é uma ignição das pessoas, faze-las avançar com os seus conhecimentos, as suas capacidades técnicas, pô-las em prática, dar apoio para que as ideias se tornem negócios efetivos. Agora, quando estamos a falar de conhecimento, estamos a falar de muita coisa, desde a cultura, às artes, às tecnologias, à ciência, etc. Até um negócio mais tradicional, como um café, pode ser inovador. Por exemplo, nós não vamos apoiar mais um café a abrir uma porta, mas poderemos fazê-lo se for um café distinto, que marque diferença, que seja uma mais valia para aquilo que nós consideramos o propósito do projeto, em termos de diferenciação e inovação.

Atualmente começa-se a olhar já em Portugal de forma muito séria para a indústria criativa. É também uma das grandes apostas do Torres INOV-E?

Rui Estrela – Só agora em Portugal começamos com mais regularidade a falar das indústrias criativas, mas trata-se de um movimento que se iniciou na Austrália nos anos 90, e que foi depois trabalhado a fundo pelo Reino Unido, sendo que neste momento é muito relevante e de facto pesa no PIB de muitos países, um décimo ou mais em alguns casos. São atividades de acelerado crescimento que embora tenham um desenvolvimento primário muito ligado ao seu core, acabam depois por ter um efeito de contaminação aos outros setores económicos tradicionais que já estão instalados. É isso que também pretendemos que aqui aconteça. Pretendemos atrair talentos, cérebros, pessoas com capacidade criativa, e se tivermos essa dinâmica dentro do concelho acabamos também por ajudar a uma interligação que vai acontecer com outros setores.

Porque surge a ideia de fazer um design novo para um produto, uma nova conceção para uma máquina, etc. Haverá um efeito contaminador que vai acontecer em todos os setores, desde o primário ao terciário.

"(...) Acreditamos que existe um capital humano que nesta fase do ciclo económico em que vivemos, pode ser um fator diferenciador (...)"

Rui estrela

Como têm visto o desenvolvimento económico do concelho e como o enquadram no Torres INOV-E?

Rui Estrela – Nós estamos no concelho da região centro que tem tido uma maior progressão em termos de crescimento populacional, mas que tem tido simultaneamente um crescimento equilibrado, porque o PIB per capita acompanha essa evolução. Temos feito um caminho de crescimento que é equilibrado e sustentado. Uma vantagem competitiva que temos é a localização do concelho, não apenas por estar próximo do mar, e perto da serra, mas também por estarmos junto a Lisboa.  E é portanto com base nessa lógica que nos queremos afirmar. Temos de dar tudo para atrair para cá uma nova economia, que se constituirá também num novo motor económico local.

Raquel Luz – Entre o período de 2007 e 2014, fomos bastante procurados quer por universidades, quer por empresas, e temos que agarrar isso. Em termos de turismo temos setores que podem ser muito melhor explorados, surgem-nos bastantes investidores, mas é preciso que haja uma agregação dos agentes turísticos do concelho. Temos o produto das Linhas de Torres, as praias... Depois, temos a agroindústria, muito relacionada com a horticultura, a fruticultura e a vinha. E com o Torres INOV-E podemos ter novas empresas que potenciem o tecido industrial que já existe.

Rui Estrela – Por outro lado, queremos que o programa tenha um carater mais global, se relacione com outros concelhos da região, com outras entidades, outras autarquias, que na nossa região já trabalhem aquelas matérias, o que poderá ajudar a valorizar o trabalho que cada um quer fazer.

Há um termo agora muito em voga que é o da coopetitividade, ou seja, passamos da competição simplesmente para uma competição que tem de ser de cooperação também. E essa lógica tem que haver a nível regional, mas também local. E essa é a atitude do futuro, estarmos competitivos, mas também cooperantes nas linhas gerais que são comuns e de interesse para todos.

Como têm visto os passos que se têm dado para revitalizar o centro histórico de Torres Vedras?

Rui Estrela – O Torres INOV-E vem na senda da regeneração urbana que a Câmara tem vindo a fazer ao nível do espaço público, mas também no que toca aos novos espaços culturais que estão a aparecer. Pretendemos que toda essa criatividade seja exponenciada para outros setores económicos e que uns potenciam os outros, ou seja, a ideia é criar aqui uma engrenagem, uma dinâmica que seja forte e potenciadora de uma contaminação a outros setores inclusivamente fora da cidade.

Culturalmente estamos a viver um momento que nunca existiu antes, não apenas porque eram menos as entidades a trabalhar no terreno, mas também porque se criou uma nova forma de culturalmente estar na cidade. Nós somos um dos concelhos a nível nacional com mais dinâmica cultural, e, no centro histórico, finalmente começamos a trabalhar juntos, numa lógica de cooperação por interesses comuns. E portanto o que se pretende é trazer novos pensamentos, novas ideias, novos elementos, que façam a ligação a um ambiente económico que queremos ver revitalizado. E quando falamos em economia do conhecimento estamos a falar disso, numa economia em que as pessoas fazem a diferença.

De que forma a experiência associativa que tem tido, nomeadamente na Estufa e no Académico de Torres Vedras, foi importante para o desenvolvimento do Torres INOV-E?

Rui Estrela - É uma experiência significativa, hoje sou uma pessoa diferente porque há 20 anos que estou no associativismo. O associativismo é uma escola e é um desafio que eu deixo a todos que queiram crescer pessoalmente. O associativismo é uma das melhores universidades para se aprender como as coisas se fazem, o que é preciso fazer para elas acontecerem. E o associativismo é de facto um caminho muito importante para instruir gente no empreendedorismo, porque no fundo empreender é colocar as coisas de pé, é construir ideias e vontades e levá-las por diante. A Estufa, por exemplo, nasceu há 4 anos de uma partilha alargada entre 44 pessoas em torno de um conceito novo que nós quisemos trazer para o terreno assente na ideia de criar um espaço de partilha, de rede, numa lógica de cooperação, e de proporcionar uma base de apoio à iniciativa. E no fundo o Torres INOV-E o que pretende é isso, é dar uma base de apoio àqueles que querem avançar com um novo negócio, dar o conforto de que estamos lá para os ajudar, de que temos uma rede de parceiros que foi criada para os apoiar, nalguns casos sem encargos, noutros casos com encargos mais reduzidos. O encargo foi desde logo um aspeto que tentámos minimizar para reduzir as barreiras à entrada, e estamos a falar desde rendas mais reduzidas, à contabilidade, ao apoio jurídico, ao apoio técnico económico e financeiro que a equipa do Torres INOV–E dará. Há aqui todo um suporte em que as pessoas não vão estar sós. Os empreendedores solitários que lançam o seu negócio para criar o seu autoemprego acabam muitas vezes por se ver ao fim de pouco tempo desamparados e dizem que gostavam de se sentir confortados com outro enquadramento. É isso que o Torres INOV–E pretende dar.

 "(...) O associativismo é uma das melhores universidades para se aprender como as coisas se fazem (...) Rui estrela

Qual é a vossa opinião em relação ao trabalho que a Câmara Municipal tem realizado na área da edução para o empreendedorismo?

Raquel Luz - Nisso a Câmara Municipal tem feito um trabalho importante. Dinamizamos o programa Aprender a Empreender, através da Junior Achievement. Agora estamos com um programa semelhante da Associação Industrial Portuguesa. Eu acho que esse trabalho de educação para o empreendedorismo nas escolas é muito importante para despertar o "bichinho" nas crianças, para não só serem empresários, mas encararem a vida com outros objetivos, terem ideias, para serem empreendedores no seu dia-a-dia.

Rui Estrela – Tal como o associativismo, esta componente de formação é também importante porque uma pessoa aprende a lidar com os problemas. Estes programas terão um resultado a longo prazo, e são muito importantes porque uma criança desde cedo vai perceber o que é um orçamento, que os recursos são limitados, vai perceber que existem uma série de problemas que têm de encarar nos seus projetos. Muitas das crianças que estão a ter essas formações serão empresários e o Torres INOV-E pretende a longo prazo estabelecer uma linha de continuidade com esse trabalho que está a ser feito junto dos mais jovens.

"(...) Nós somos um dos concelhos a nível nacional com mais dinâmica cultural (...)" - Rui Estrela

Que balanço fazem da Semana INOV que marcou o início do programa?

Raquel Luz - Para nós foi muito positivo, pelo número de pessoas que nos acompanharam e daí a nossa vontade de continuar a juntar empresários e investidores para abordar assuntos que sejam importantes para a sua atividade. O evento Ignite Portugal também correu muito bem, porque tivemos muita gente não só de Torres mas também de outros pontos do Oeste, o que permitiu divulgar o nosso programa para fora do concelho, e trazer outras ideias para cá.

Rui Estrela – Foi quase como que o momento de ignição que faltava para dar arranque a alguns negócios ou proporcionar apoio a alguns negócios que já existem. Esse feed back da participação foi para nós muito motivador, renovamos as energias para um trabalho que nesta fase é de muita sementeira, em que é preciso divulgar, informar, insistir, mas cá estaremos para afirmar este programa que tem tudo para andar e para ser um sucesso à semelhança de outros que existem pelo país fora.

Gostariam de acrescentar algo?

Raquel Luz – Gostava de chamar a atenção para o concurso de ideias do Torres INOV-E. O próximo acontecerá em setembro. Que não tem nada de complexo, no fundo basta preencher um formulário simples, expondo a ideia de negócio e explicar como se quer concretizar essa ideia. Posteriormente, os concursos a partir de 2015 serão em janeiro, abril e setembro. As propostas escolhidas durante três meses não têm qualquer tipo de encargo, analisa-se o negócio, aprofunda-se a ideia, define-se melhor a estratégia, e depois o projeto é lançado no centro histórico de Torres Vedras, escolhendo-se um local consoante a bolsa de espaços, havendo depois um período de incubação de 33 meses com rendas crescentes. Mais informações podem ser consultadas no site do Torres INOV-E (em: torresinov-e.estufa.pt).

  • Entrevista : Tiago Oliveira
  • Fotografia : Pedro Fortunato
Publicado: 09.05.2014 - 17:24 horas
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