Torres Vedras

Luís Santos

01.11.2013

Luís Santos é presidente da direção da Adega Cooperativa de S. Mamede da Ventosa há 23 anos e um dos torrienses mais entendidos em matéria de vinhos. Em altura de vindimas, este responsável cooperativo, que foi também fundador da Associação de Jovens Agricultores de Portugal e presidente da Federação Nacional das Adegas Cooperativas, esteve à conversa com a [Torres Vedras], à qual abordou vários assuntos como o seu percurso profissional, a evolução da Adega Cooperativa de S. Mamede da Ventosa, bem como da vitivinicultura no concelho e no mundo, os principais obstáculos atuais a esta atividade, o atual momento do movimento cooperativo ou o desenvolvimento da sua terra. Nos tempos de crise que se vivem é, necessário, segundo Luís Santos, ser otimista e ir à luta…

Começava por lhe perguntar como começou a sua carreira profissional e nomeadamente na área da vitivinicultura?

Sou natural da Moçafaneira, freguesia da Ventosa. Fiz o sétimo ano do liceu, num colégio interno em Torres Novas, ainda me matriculei no curso de veterinária, na altura do 25 de abril, estive em Lisboa a estudar e a trabalhar mas não concluí o curso.

O meu pai tinha uma exploração agrícola e quando tinha 23 anos regressei às origens. Comecei a dedicar-me à vitivinicultura, fazíamos o vinho em casa, na altura ainda não éramos sócios da Adega Cooperativa de S. Mamede da Ventosa, mas em pouco tempo nos tornámos. No final dos anos 70 começou a surgir legislação para os jovens agricultores, eu tinha algum espírito associativo e acabei por fundar com outros colegas a Associação de Jovens Agricultores de Torres Vedras. Mais tarde, com as associações de jovens agricultores de Coruche e de Beja constituiu-se a Associação de Jovens Agricultores de Portugal, de que fui sociofundador, socio n.º 11, e onde me mantive até ao limite de idade. E há uma particularidade que muitas pessoas desconhecem que é o facto da AJAP ter sido constituída em Torres Vedras, até porque a associação de jovens agricultores que tinha mais peso era a de Torres Vedras.

Depois, a partir do momento que me tornei sócio da Adega Cooperativa de S. Mamede da Ventosa comecei a ter participação nas suas assembleias, até que em fins de 87 fui convidado para integrar a sua direção, numa altura em que se queria pôr “sangue novo” na mesma. Durante três anos fui tesoureiro, após o que assumi a presidência da adega, já lá vão 23 anos. Na minha exploração agrícola de origem familiar candidatei-me recentemente ao programa VITIS e irei instalar seis hectares de vinha nova, mas há alguns anos que a adega ocupa grande parte da minha atividade. 

(…) contribuímos para que esta região, de Torres Vedras, de que fazemos parte, não só seja a que mais vinho produz no país como seja das mais premiadas em termos de vinhos (…) 

Como tem sido a evolução da Adega Cooperativa da Ventosa?

Quando me iniciei na direção da adega esta não engarrafava uma garrafa, a totalidade da sua produção era vendida a granel e não havia meios tecnológicos praticamente nenhuns. Em 91 fizemos o primeiro projeto de investimento, candidatou-se a adega a um programa que apareceu depois da adesão à CEE e que era equivalente ao atual PRODER. Não tínhamos grupos de frio para controlar a fermentação, era espremer as uvas e mete-las em depósitos de cimento. Entretanto nesse investimento renovamos as instalações e o equipamento da adega. Nessa primeira candidatura adquirimos uma linha completa para enchimento de garrafas e garrafões, que foi colocada num edifício que construímos com cerca de 1600 m2. Em 1993 iniciou-se o enchimento e em 1999 fizemos outro projeto, esse destinado à parte de vinificação. Adquirimos toda a parte de esmagadores, desengassadores, os primeiros depósitos em inox para fermentação, os primeiros grupos de frio, e paralelamente a isto em 2000 uma técnica de vitivinicultura começou a trabalhar na adega para acompanhar os associados. Atualmente temos 553 associados aos quais proporcionamos apoio técnico. Com ela, através do programa VITIS, temos aproveitado para reestruturar as vinhas dos associados, introduzindo castas portuguesas. Em 10 anos praticamente mudamos o encepamento de uvas aqui. Por isso, contribuímos para que esta região, de Torres Vedras, de que fazemos parte, não só seja a que mais vinho produz no país como seja das mais premiadas em termos de vinhos.

Habitualmente vinificamos 26 milhões de quilos de uva por ano que dão aproximadamente cerca de 20 milhões de litros de vinho, e normalmente comercializamos tudo. A adega fatura por ano quase 20 milhões de euros e quase todos os anos temos vinhos premiados. Fomos em 2012 a sétima maior entidade exportadora de vinho do país, sendo que à nossa frente, no ano passado, estavam seis do vinho do Porto.

Começámos por fazer exportação para a Inglaterra, depois também para a Suécia, que atualmente são para nós quase mercados residuais. Há quinze anos começamos a exportar para Moçambique, há dez anos para Angola, e de há quatro anos para cá para a Guiné. Pontualmente vendemos alguma coisa para o Brasil, mas acabámos por nos centrar no mercado dos PALOP’s africanos. Somos uma adega cooperativa de grande dimensão, a maior produtora de vinho do país.

Estamos hoje ao nível das melhores empresas de vinhos em termos tecnológicos, de processamento de produto, estamos muito bem equipados e apetrechados. Ao longo destes anos primámos pela qualidade, refletindo-se isso na inexistência de reclamações por parte dos clientes.

Este ano há uma quebra de produção na ordem dos 30%, à semelhança do que acontece nas regiões geográficas da Estremadura e do Ribatejo. Foi um ano anormal em que durante todo o período vegetativo da videira praticamente não choveu, apesar de ter chovido muito no inverno. Não houve um desenvolvimento normal da uva.

 

Em termos financeiros a adega está bem?

Temos estado sempre bem e por isso temos tido facilidade em termos as nossas candidaturas aprovadas e de beneficiar das medidas de apoio ao setor, bem como em pagar atempadamente aos associados assim como à banca na sequência dos encargos que contraímos com os nossos investimentos.

Há algum projeto previsto para breve?

Recentemente adquirimos as instalações do IVV situadas perto do restaurante “O Coelho” porque os nossos associados queriam aumentar a produção e não tínhamos mais espaço para expandir. Vamos fazer uma nova adega para mais de seis milhões de quilos de uvas que vai estar concluída para a vindima do próximo ano. Vamos fazer um misto de um edifício dos anos 50 com uma parte nova. Uma das coisas que queríamos fazer no futuro era explorar turística e culturalmente essas instalações.

Como tem visto a evolução da vitivinicultura no concelho?

Um dos problemas da nossa zona na área da vitivinicultura é que durante muitos anos considerou-se que importante não era a qualidade, era produzir em quantidade, nem que o vinho tivesse oito ou nove graus. Há 30 e tal anos instalaram-se castas híbridas, o que foi um erro. Entretanto em 1990 é constituída a Comissão Vitivinícola Regional, de que hoje faço parte, no conselho geral, e começou-se a ter uma sensibilidade muito diferente. Percebeu-se que vender grandes volumes, com qualidades relativas e graus muito baixos, era algo que fazia parte do passado, não nos ia levar a lado nenhum, até porque na altura tínhamos entrado na CEE e estávamos a competir com vinhos com muito mais qualidade. Não havia outro caminho a seguir, a opção só podia ir para a qualidade. Apostou-se em castas tradicionais, com melhores graus, melhores aromas, mais potencial enológico. Até hoje já se fez muito, mas tem de se continuar a melhorar. Temos de produzir bem, com grau, com qualidade, para que a vitivinicultura seja rentável.

Acha que neste momento são efetivamente utilizadas as castas corretas na região? Há quem defenda que Torres Vedras tem terrenos mais apropriados para uvas brancas…

Bom, em primeiro lugar temos de produzir aquilo que o mercado quer e nos mercados em que estamos 90% dos consumidores preferem vinhos tintos a brancos. Como dizem os conhecedores enólogos desta casa há muitos anos, não temos de produzir o vinho que queremos beber, mas aquele que o consumidor quer beber. A região demarcada de Torres Vedras existe há 24 anos e delimita que os vinhos brancos devem ser produzidos em todo o litoral e em parte da região interior, que é onde isso acontece, ao passo que os tintos só no interior. Essa linha delimitativa passa a 1 km da adega. Concordo que mais perto do mar os tintos não fazem uma boa maturação e aí os brancos são apropriados. Mas a área de influência da adega que é grande abrange maioritariamente zonas de encostas, perto da cidade, Varatojo, Serra da Vila, e mais perto daqui, Figueiras, Fernandinho, que são apropriadas para vinhos tintos. Os nossos tintos são inclusivamente mais premiados que os brancos.

(..) Somos uma adega de grande dimensão, a maior produtora de vinho do país (…)

Que principais obstáculos existem neste momento à vossa atividade?

Os custos de produção são algo que subiu bastante nos últimos anos, os combustíveis, os fitofármacos, a mão de obra e a grande carga fiscal.

Por outro lado, o vinho atualmente é produzido em quase todo o mundo, o que não acontecia há alguns anos atrás, o que fez aumentar a concorrência. Ainda há poucas décadas quando comecei nestas lides do vinho pouco se falava do vinho do “Novo Mundo”. Nós eramos o décimo produtor de vinho do mundo, havia poucos vinhos do Chile, da Argentina, da Austrália, da Nova Zelândia, da África do Sul. São países novos produtores que fazem vinhos com boas características. E nesses países com os quais estamos a competir não existem constrangimentos burocráticos, nem custos em termos ambientais, se bem que não seja contra as questões ecológicas.

Um outro problema que temos é a falta de dinheiro para fazer a promoção do vinho português. Era importante fazer essa divulgação, tanto mais que os vinhos portugueses são diferentes dos outros vinhos do mundo. Nós temos castas com uma tipicidade única, ao passo que por exemplo os produtores do “Novo Mundo” acabam por utilizar as mesmas castas de França. Este nosso potencial não está a ser aproveitado devidamente.

Como tem visto a evolução do movimento cooperativo no concelho e no país?

Acho que embora as coisas tenham evoluído positivamente o espírito cooperativo das pessoas ainda deixa um pouco a desejar. O princípio cooperativo diz que temos de trabalhar todos para o mesmo bolo, e se houver um problema temos de ir ao dinheiro comum para o resolver. E ninguém pensa dessa maneira...

A Adega Cooperativa de S. Mamede da Ventosa faz gosto em ter uma boa relação com todas as organizações cooperativas da região, e temos, até com a Associação de Agricultores de Torres Vedras, da qual faço parte dos corpos sociais, um protocolo de cooperação, mediante o qual agricultores nossos também são acompanhados por técnicos dessa associação.

Para além disso, existe uma organização de cúpula, a FENADEGAS, da qual saímos há pouco tempo, o que muito me custou, porque fui presidente dela durante quatro anos e vice-presidente durante outros quatro, sendo que a Adega Cooperativa de S. Mamede da Ventosa foi sua fundadora, mas essa federação desvirtuou um pouco o que era a defesa do interesse cooperativo, tentaram transformá-la numa organização promocional e comercial e não era isso que se pretendia. Era uma organização socioprofissional que tinha intervenção junto dos organismos e que hoje pouco tem. Não havia nenhuma mais-valia em estarmos a pagar quotas para nos mantermos ligados a essa federação e saímos, como muitas outras adegas cooperativas. Hoje temos uma boa relação com a CONFAGRI, da qual fui diretor quando presidente da FENADEGAS, somos até um balcão verde da CONFAGRI, onde fazemos candidaturas de apoio ao rendimento.

O setor cooperativo continua a ser considerado o parente pobre da agricultura portuguesa e eu não entendo as coisas dessa forma. Alguns dos nossos cooperantes têm alguma dimensão mas muitos não e temos o trabalho de motivar estes, dar-lhes formação, todos as anos fazemos 4/5 formações. É muito mais difícil trabalhar e formar pequenos produtores do que os outros. Se não for o setor cooperativo a receber e a transformar as uvas dos pequenos vitivinicultores eles acabam no dia seguinte. Temos uma função social muito grande, porque há muita gente que vive do que nós pagamos pelas suas uvas, provavelmente mais de 200 agregados familiares.

O movimento cooperativo representa cerca de 50% da produção do setor vitivinícola.

De resto, devo também partilhar que a certa altura foi um erro enorme no nosso país terem sido negociadas medidas para o abandono da agricultura. A agricultura e a pesca há uns anos atrás foram esquecidas e vi essa intenção em vários governos. Há uns anos a esta parte acho que se está a inverter esse rumo e toda a gente fala agora em agricultura…

 

Por outro lado, como tem visto a evolução da sua terra?

Quem conheceu Torres Vedras há décadas atrás confinada à Santos Bernardes e à Teresa Jesus Pereira, onde ainda havia vinhas, e vê a hoje com a zona verde, o mercado municipal, a Expotorres, os eventos culturais, é incomparável. Torres é uma cidade que tem crescido, tem evoluído, tem boas condições. É uma cidade com qualidade de vida e agradável para se viver.

O concelho é apetecível, tem um litoral maravilhoso, do melhor do país, e um meio rural muito agradável. Estamos perto de Lisboa, temos custos muito mais baixos de transporte para exportação marítima do que outras zonas do país. A nossa posição é estratégica. A agricultura tem muito peso e tem evoluído. A vitivinicultura, a horticultura e a fruticultura são os três ramos da agricultura a apostar aqui.

Qual é a sua opinião em relação ao trabalho do Município na promoção dos vinhos do concelho?

Tenho uma opinião muito positiva. A Câmara Municipal tem desenvolvido várias iniciativas de louvar a esse nível como a Prova Cega de Vinhos nas Festas da Cidade, mais recentemente o Festival do Vinho também no âmbito dessas festividades, para além da Feira Rural, da Feira de Verão em Santa Cruz e do espaço dedicado ao vinho na Feira de S. Pedro.

(…) a certa altura foi um erro enorme no nosso país terem sido negociadas medidas para o abandono da agricultura (…)

Gostaria de deixar alguma mensagem?

A primeira mensagem é para os nossos associados, para que tenham esperança, porque estamos a fazer tudo para melhorar, para dar resposta, para estarmos atualizados, para competir em qualquer mercado, e penso que as coisas estão no bom caminho.

E depois alargo também esse repto a todos os portugueses para que também tenham esperança, sejam otimistas, porque às vezes os cenários mais negros são oportunidades para se dar a volta por cima. Devemos e temos de produzir mais e melhor, aumentar a exportação dos nossos produtos, mas já chega de “exportar” aquilo que de mais rico nós temos que são os valores humanos da nossa terra…

Última atualização: 13.08.2019 - 12:21 horas
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