Torres Vedras

João Henriques

23.02.2023

Fotografia da exposição

João Henriques é artista visual e programador em fotografia. Enquanto autor explora a imagem como intersecção entre a superfície e a profundidade, como tensão entre estética e documento, e enquanto mediação, projeção e construção de significado no mundo. Na Paços – Galeria Municipal de Torres Vedras apresentou The Face of Another, em 2014, constituída por uma série de fotografias em torno do Carnaval de Torres Vedras. O Efeito Estufa foi a sua mais recentemente exposição na Paços, que esteve patente até março de 2022.

 

Depois da formação em Gestão de Empresas e em Psicologia, parece que houve uma alteração de rota. Como apareceu a Fotografia no seu caminho?

A Fotografia apareceu enquanto estudava Gestão em Évora, através de um Curso de Iniciação no IPJ. Ainda estudando lá, na Universidade, comecei a dar aulas no secundário e gastei o meu primeiro ordenado como professor, integralmente menos uns trocos, numa câmara e lentes. A minha mãe ficou algo perplexa, pois pensava que ia deixar de ter de me dar dinheiro e lá apareci em casa mais uma vez a pedir.

Mas se andar um pouco mais para trás percebo um pouco mais do fascínio pelas imagens, em que a Fotografia é apenas um aspeto. Em criança remexia muito nos álbuns de família, fazia recortes a fotos e colava nos cadernos, os meus pais deixavam ver cinema na televisão à sexta-feira e ao sábado à noite. Em Évora comecei a fotografar, num certo 25 de Abril andei atrás de um senhor muito curioso, também fotógrafo, e que se deve ter sentido um pouco irritado comigo. Mais tarde vim a descobrir que era o Sebastião Salgado…

Depois parei uns anos, vim para Torres Vedras e redescobri a Fotografia com um grupo incrível de pessoas de uma imensa generosidade e curiosidade também pela fotografia: o Daniel Abreu, o Nuno Moura, o João Barrinha, a malta do Espeleo Clube e outros. Em 2010 expus na Cooperativa, um momento significativo pois foi a primeira vez que apresentei um trabalho estruturado, e a partir daí continuei sempre a apresentar trabalho regularmente.

A Gestão voltou a aparecer no caminho pois agora estou ligado à curadoria, programação e execução, onde por vezes se é mais gestor do que artista. A Psicologia nunca desapareceu, mas vive na sombra, um lugar que lhe convém...

 

Em fevereiro de 2014, a Paços – Galeria Municipal de Torres Vedras acolheu a exposição The Face of Another. Pode partilhar um pouco da abordagem que foi feita sobre esta temática tão particular que é a máscara nos seus diferentes espectros?

Fotografei o Carnaval à noite durante quatro anos. Foram noites duras, com o objetivo específico de obter determinado tipo de retrato, de escolher bem os retratados, sobretudo aqueles que se “matrafonavam” com algum cuidado e critério. A par disso fotografei a cidade enquanto cena, palco de uma transformação, e fiz retratos de várias pessoas mascaradas, mas fora do contexto do Carnaval.

Aliás, aquilo que se conhece regularmente pelas imagens do Carnaval aparece nesta série algo transfigurado, disfarçado diria, numa alegoria próxima das festividades, mas próxima da ontologia da Fotografia também. Afinal o que é a imagem senão um duplo, tal como a máscara?

Essa série convoca aspetos bastante interessantes da dualidade, da máscara, da persona, dos papéis que se desempenham. E uma máscara é plural, tanto pode ser proteção como disfarce, embelezamento ou ocultação, etc. Pelo que naturalmente o Carnaval, festividade antiquíssima, convoca questões e relações deveras interessantes. Além de que é uma alegria sair nessas noites, mas essa parte os torrienses conhecem bem!

 

Entre 2014 e 2023 decorreram muitas exposições, individuais e coletivas, em diferentes geografias. O Efeito de Estufa foi a sua última exposição individual, também patente na Paços. Que projetos está a desenvolver atualmente ou estão a ser pensados para futuro?

Sim, tenho desenvolvido alguns projetos em Torres Vedras. [Com] O Efeito Estufa percorri as freguesias do litoral mais marcadas pelas infraestruturas de produção agrícola. No período do confinamento devido à COVID, houve um momento em que não se podia sair do Concelho, nem sequer ir à praia, tendo essa disrupção dado origem a percorrer caminhos que pouco conhecia.

O tema interessou-me visualmente e enquanto cidadão, pois tínhamos bastante próxima a experiência do litoral alentejano, com poluição, consequências ambientais e de saúde, recursos aquíferos exauridos, lucros offshore, salários miseráveis, rendas incomportáveis, falta de habitação, xenofobia e fascismo, etc. E aquilo que traz riqueza ao Concelho trouxe também outras questões que me pareceram importantes e às quais a Fotografia também poderia dar o seu contributo, evidentemente dentro das limitações e modos que lhe são próprios.

Ainda este ano vou apresentar um trabalho novo na Casa Azul, com o Jorge Reis da EMERGE, uma associação que tem desenvolvido um esforço notável, a par de outras como a Cooperativa, o Académico de Torres Vedras, a Estufa, a Performact, a própria Paços e o Porta 5 e o Centro de Artes e Criatividade, de natureza municipal, que colocam Torres Vedras num panorama algo invulgar de riqueza cultural e artística no território português. Na Casa Azul irei apresentar fotografias de arquivo, algo que nunca fiz mas cujo desafio me entusiasma bastante.

Entretanto continuo a apresentar os meus trabalhos mais recentes, sobre as estufas, sobre Fátima e a ligação entre a hierarquia católica e o regime ditatorial salazarista. Tenho explorado mais algumas linhas de trabalho, mas que estão ainda em desenvolvimento, pois nos últimos dois anos tenho estado bastante ligado à programação em Fotografia, com exigências de tempo cada vez maiores, sobrando menos tempo para pensar e para continuar com os projetos.

Última atualização: 23.02.2023 - 16:26 horas
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