Torres Vedras

Isabel Azeredo

24.09.2020

Vista da exposição

Foi em 2012 que Memórias de Terra II, de Isabel Azeredo, esteve patente na Paços – Galeria Municipal de Torres Vedras. Hoje, a artista conta que estas memórias foram construídas através de “fragmentos do quotidiano” e reconhece que a exposição foi um “marco importante” na sua vida.

 

Quem é Isabel Azeredo?

Nasci em Lisboa onde fiz o meu percurso académico, intercalado com passagem pela Escola Superior Belas Artes do Porto.

Desde cedo todas as manifestações artísticas exerceram em mim profunda atração, a literatura, a música (cheguei a estudar piano, mas tenho um fascínio absoluto pela voz e tenho pena de não saber cantar), o teatro, o cinema e a fotografia (que o meu pai fazia, desde filmes Super 8 que ajudava a preparar até à revelação das fotos e sua impressão em papel), a escultura, a pintura... até a culinária! 

Queria absorver tudo, não perdia a oportunidade de ver e ouvir fosse o que fosse e tive a sorte de residir numa cidade com fácil acesso a museus e galerias. A Fundação Calouste Gulbenkian e a sua biblioteca (não havia internet) eram a minha segunda casa.

Os meus interesses não mudaram, mas agora existe um manancial de informação ao nosso dispor. É fácil a dispersão e a distração, por isso tento ser mais objetiva e seletiva nas escolhas.

Foram importantes para mim cada um, na direta proporção, que contribuíram para o desenvolvimento do meu gosto, espírito crítico, capacidade de observação e análise, todos os meus professores, Mestres (na cerâmica temos este hábito de chamar de "mestre" quem nos passa o conhecimento) e todos os artistas com quem tive a sorte de conviver, independentemente de serem ou não ceramistas. 

Para mim, a maior referência na área talvez seja a cerâmica japonesa. É uma escola de tal modo importante, com tal filosofia de vida, que se distingue das demais. 

 

Como foi o seu encontro com a cerâmica? Foi a Isabel que encontrou a cerâmica ou a cerâmica que encontrou a Isabel?

O momento de grande impacto com a cerâmica foi na Escola António Arroio e foi amor à primeira vista! Estava a efetuar os estudos focada na vertente do design, pensava que iria só fazer design de objetos para a indústria cerâmica. Era uma ideia que já se instalara. Mas quando fui visitar as oficinas de cerâmica fiquei logo apaixonada pelo lado plástico, escultórico e principalmente pela transformação no processo de cozedura. Foi todo um universo que se abriu. As possibilidades na cerâmica são vastas, as linguagens infinitas, assim como os processos técnicos, e o mais fascinante é sempre o efeito surpresa do fogo.

Pode falar um pouco sobre o seu processo criativo? Que é o seu tipo de cerâmica?

O meu ponto de partida é sempre o desenho. Desenhar, desenhar muito para entender a forma. Gosto de desenhar pormenores, ampliar os mesmos até se perderem na escala e ganharem outro significado. Faço isso com objetos que me rodeiam, elementos da natureza e com imagens de microrganismos (vejo muitos livros científicos). É na natureza que encontro a minha grande fonte de inspiração. O barro não é mais do que um pedaço de natureza que se deixa moldar, que se entrega ao artista.

O meu trabalho tem várias vertentes, sendo a escultura a predominante. A minha cerâmica é "crua", muito “terra”, despida de artifícios, simples. Trabalho um pouco de forma empírica na medida em que sigo algumas regras, uma vez que já tenho conhecimentos suficientes para saber o que vai resultar ou não, mas gosto sempre de alterar as receitas e experimentar, arriscar! Gosto das diferentes texturas das pastas, das novas formas que surgem quando estou a construir uma peça e que, por vezes, me levam para um novo caminho. Gosto das surpresas do forno... Por vezes há surpresas desagradáveis, mas também aprendemos com elas.

 

Em Portugal, têm surgido novos criadores, nomeadamente ceramistas. Considera que esta arte se tem vindo a reinventar? Qual é o papel que a cerâmica ocupa nos dias de hoje?

O facto de terem surgido duas ou três escolas onde se promove o ensino da cerâmica nas suas várias vertentes contribuiu para o aumento do número de ceramistas. Também há mais meios que promovem e divulgam, fala-se realmente mais da cerâmica e dos seus autores, e isso é sempre positivo, pois desperta interesse.

Uma vez que a cerâmica já não desempenha um papel principal no nosso quotidiano, tendo sido substituída pelo metal e pelo plástico, teve de se reinventar para sobreviver. Os ceramistas são a prova disso, deixando um pouco a vertente utilitária para assumir o seu lugar, concorrendo com qualquer outra expressão plástica. No entanto e lamentavelmente, ainda não tem o protagonismo da pintura ou da escultura. Quando se fala de cerâmica ainda há muitas pessoas a pensar em azulejos para revestimento, tijolos, sanitários. E depois há a "louça" e a porcelana (que é já outro estatuto). Todos sabemos que estes processos de aprendizagem e mudança levam tempo.

 

Em 2012, a Paços – Galeria Municipal de Torres Vedras acolheu a exposição Memórias de Terra II. Pode falar-nos um pouco sobre esta mostra?

Permitam-me citar o texto de apresentação da exposição, que transmite o sentimento que me moveu a construir as peças e a reuni-las para as apresentar na Paços – Galeria Municipal de Torres Vedras:

"As memórias fazem parte da nossa vida. O que aqui vos mostro são MEMÓRIAS DE TERRA. A partir de fragmentos do quotidiano e pedaços arrancados à terra, dos quais extraí as suas memórias - anteriores ao Homem - e aí as fixei. Fiz questão de tornar visíveis as texturas, cores e formas conquistadas à terra pelas minhas mãos"

A exposição foi um marco importante na minha vida enquanto ceramista/escultora e uma excelente oportunidade de mostrar o meu trabalho e divulgar a cerâmica, porque nem todas as galerias de arte têm essa vontade.

O acervo do Município conta com uma obra da sua autoria intitulada JANELA. Como olha para essa peça?

JANELA é um bom exemplo de "fragmentos do quotidiano e pedaços arrancados à terra", é isto, tão-somente! Não aprecio particularmente falar subjetivamente acerca dos meus trabalhos, do que significam... Pois o trabalho "fala” por si e cada espectador faz a sua interpretação, gosta ou não, sente isto ou aquilo. Agora, se me pedem para explicar como se faz, quais as técnicas usadas, que temperatura usei na cozedura, posso fazê-lo, mas tem pouco interesse para o público em geral.

Não há certo ou errado na arte, há (ou deve haver) sentimento!

Publicado: 24.09.2020 - 14:11 horas
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