Torres Vedras

Gustavo Duarte

01.07.2014

Gustavo Duarte é um torriense que atualmente desempenha o cargo de presidente da ANTRAM (Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários e de Mercadorias). À [Torres Vedras] falou deste seu recente desafio, tendo ainda abordado outras questões, como o seu percurso pessoal e profissional, a conjuntura do setor dos transportes e do grupo económico de que é dirigente, o atual contexto económico, a sua imagem do concelho e uma experiência pessoal que o marcou fortemente: a sua participação na equipa nacional de "rugby" que se apurou pela única vez para o mundial da modalidade…

Começava por lhe pedir para abordar o seu percurso pessoal e profissional…

Bom, nasci em Lisboa, mas sempre vivi em Torres Vedras. Toda a minha vida foi feita em Torres. Foi aqui que estudei até ir para a faculdade. A minha família é de cá, a minha empresa é de cá, portante a nossa história foi sendo feita em Torres Vedras. O meu percurso escolar foi sempre acompanhado com uma parte desportiva na Física, onde fui federado em basquete, em ténis de mesa, em natação, tendo feito inclusivamente natação de competição durante muitos anos. Acabado o liceu fui para Lisboa, para a Universidade Lusófona, tirar engenharia eletrotécnica, mas não me entendi com o curso, e resolvi mudar. Entrei então no ISCTE, onde fiz gestão e engenharia industrial. Durante esses anos em Lisboa tomei conhecimento do rugby, e comecei a jogar esse desporto no Agronomia, tendo então integrado a seleção nacional. O rugby foi algo que inclusivamente me ajudou na vida profissional.

Em que medida?

O rugby é uma modalidade que acaba por incutir alguns valores na nossa vida e que nós transpomos para a vida profissional. Estou a falar de compromisso, espírito de sacrifício, códigos de conduta, um código de honra. Infelizmente alguns destes valores que deviam reger a vida, seja em casa, seja no trabalho, vão se perdendo. O rugby foi das boas coisas que me aconteceram na vida. Criei muitos amigos nessa experiência, o que me ajudou também na vida profissional, já que acaba por se criar uma rede de contactos com pessoas com as quais desenvolvemos respeito dentro de campo e acabamos também por respeitar na vida.

O rugby tem também uma particularidade interessante. Enquanto em futebol Portugal pode perder, por exemplo, com Trindade e Tobago, no rugby isso não acontece porque o jogo depende de todos os elementos da equipa. Não existe um Cristiano Ronaldo no rugby, existem bons jogadores, mas não há “estrelas”...

Participou inclusivamente na campanha que levou Portugal ao mundial de rugby pela única vez. Como foi essa experiência?

Fiz o apuramento todo e aleijei-me na semana antes do mundial. No estágio rasguei os ligamentos do pé e acabei por não participar no campeonato do mundo por essa infelicidade. Fiz parte dessa equipa, dos "Lobos", mas para grande tristeza na minha vida acabei por não participar nesse único mundial de rugby em que a seleção nacional esteve presente. Foi a primeira vez e não sei se tão depressa haverá uma próxima. Foi um feito histórico dada a nossa dedicação, o nosso espírito de compromisso. Muito se falou da emotividade com que nós cantávamos o hino, porque para lá chegar doeu-nos a alma… Não havia famílias, não havia trabalhos, vivemos aquilo intensamente durante seis meses e aquilo era um objetivo cego que queríamos atingir…

Como foi o seu percurso profissional após a universidade?

Acabada a universidade, em 2007, tinha um dilema na minha vida: ou começava a trabalhar, sendo que era objetivo da minha família que tivesse algumas experiências profissionais fora da nossa empresa, para contactar dessa forma com o mercado de trabalho, ou desistia de participar no apuramento da seleção nacional de rugby para o mundial.

Quando acabei a universidade fui aprovado em todas as empresas onde tinha feito entrevistas. Escolhi uma das opções mas a campanha do mundial só acabava no final de setembro e por isso perguntei se havia a possibilidade de fazer a entrada na empresa mais tarde. Como não foi possível acabei por decidir vir trabalhar diretamente para a empresa da minha família. Foi das boas coisas que fiz. Aprendi muito nestes anos porque não tenho feito um trabalho limitado, tenho feito de tudo. Desde a negociação, desde a contratação, com os clientes, os fornecedores, etc... Passei a fazer quase tudo dentro da empresa e foi uma aprendizagem boa e muito grande.

E como surgiu a oportunidade de presidir à ANTRAM?

Há três anos que era vice-presidente da região de Lisboa da ANTRAM, sendo ela a associação mais importante do país dentro do setor dos transportes. Colocaram-me nesse cargo porque achavam que eu trazia alguma irreverencia, alguma capacidade de trabalho, algumas ideias novas... E passado três anos convidaram-me a ser presidente da associação. Foi um passo muito grande, porque as pessoas que têm estado na presidência da ANTRAM têm percursos muito longos na área dos transportes e eu sou o presidente mais novo na história da associação. É um grande desafio pessoal e profissional. A minha motivação para aceitar este desafio prendeu-se com a vontade de defender o setor, responsabilizar os agentes do setor e trazer ideias inovadoras. E acho que estes últimos meses têm corrido bastante bem …

Quais são neste momento os maiores desafios para as empresas de transportes?

As empresas de transportes têm atualmente várias dificuldades. Uma é a falta de profissionalização do setor. A maior parte das empresas são familiares, habituadas a uma gestão antiga, mantendo as tradições, e dessa forma acabou por não se profissionalizar o setor. Temos também um contrato coletivo de trabalho muito antigo, feito em 1974, com coisas muito complicadas, que ainda não conseguimos alterar, e um dos objetivos no meu mandato é precisamente alterar esse contrato laboral.

Para além disso está na direção de uma das maiores entidades empresariais do concelho. Que balanço faz do funcionamento do Grupo Paulo Duarte?

Tem sido um grande desafio nestes últimos anos dado a dificuldade do setor em si. Durante esta crise passamos aqui alguns momentos não tão fáceis porque temos muita gente para gerir, temos diretamente 800 pessoas, são muitas famílias que dependem de nós e do nosso trabalho. Houve efetivamente meses de 2012 que foram complicados, mas acho que conseguimos dar a volta à situação. Hoje estamos numa situação reforçada e até penso que estamos um pouco em contra ciclo em relação ao que se passa no nosso setor. Efetivamente hoje somos um grupo forte e com muita perspetiva de futuro. Tem sido enriquecedor estes anos no grupo de transportes Paulo Duarte, porque tem me dado traquejo e catapultado também para novos desafios.

A zona Oeste é efetivamente diferente porque as pessoas são muito trabalhadoras na sua génese 

Para além da vossa atividade no setor dos transportes, entraram também recentemente na área da agricultura…

O Grupo Paulo Duarte representa hoje doze empresas repartidas em transportes e agricultura e cerca de 15% da faturação global do grupo já provem da agricultura. No que respeita à parte de produção agrícola, devemos chegar aos 12 hectares nestes próximos 2/ 3 anos, e temos ainda a parte da comercialização, a Abrunhoeste, a nossa central fruteira, aqui perto, no Ramalhal. Esta diversificação do grupo tem corrido bastante bem. O setor dos transportes é difícil, mas o da agricultura não o é menos, porque na nossa região existem poucos empresários agrícolas, existem sim muitos agricultores que pensam apenas no seu quintal, no seu hectare, no seu meio hectare… Não podemos pensar assim porque quem tem um trator, tem-o para meio hectare, como tem-o para um hectare ou para 30 hectares. Não temos de ter 20 quintais, 20 hectares, com 20 tratores… E uma das dificuldades aqui no Oeste ao nível da agricultura tem sido pensar em escala, pensar associativo. Está a ser difícil mudar essa mentalidade…

Segundo algumas opiniões, os trabalhadores desta região são os melhores do país. Concorda?

A zona Oeste é efetivamente diferente porque as pessoas são muito trabalhadoras na sua génese, sempre se habituaram a trabalhar para além do horário de trabalho, porque ou têm a sua quinta ou a sua horta, ou vão ajudar o amigo a fazer a casa... E são ambiciosas, porque se puderem ganhar 20 não vão ganhar 18. E isso tem sido uma grande mais-valia porque temos pessoas muito envolvidas nas empresas, 24 horas, 365 dias por ano. Para nós esse facto é importante dado que não somos uma loja, não paramos ao fim de semana, e contamos sempre com a disponibilidade das pessoas, com conta, peso e medida, como é óbvio...

Já perdeu alguma noite de sono por questões profissionais?

No último ano e meio não houve uma noite em que não tenha tido dificuldade em adormecer!... Para mim, o pior emprego do mundo é ser empresário. São poucos os empresários que atualmente chegam ao fim do mês sem preocupações em relação ao pagamento dos seus encargos. Mas isso acontece a quem quer ser empresário. Quem não quer ser, que seja funcionário por conta de outrem e poderá dormir mais descansado. Agora, ser empresário é estar sujeito ao risco…E eu gosto do risco, gosto de pagar ordenados, gosto que as pessoas se sintam bem a trabalhar, gosto de criar equipas, é isto que eu gosto de fazer… Agora, não acredito que não haja empresário no país que nos últimos anos não tenha ficado noites sem dormir… Na minha opinião faz falta a muitos políticos saber o que é a economia real. Isso não quer dizer que não seja da opinião de que é preciso que haja regulação nos mercados, é essa a função do Estado, senão cria-se distorção. A manipulação das taxas de juro, a manipulação do preço dos combustíveis que tem havido nos últimos anos é o capitalismo no seu máximo... E é aí que o Estado tem de intervir... A Autoridade da Concorrência é, por exemplo, a entidade que mais poder devia ter em Portugal e é insignificante porque não há interesse em lhe conferir poder. Está provado que o Estado não deve gerir empresas, mas deve ser um regulador fortíssimo, para além das competências públicas que deve ter na saúde e na educação. Falta algum zelo e imparcialidade na aplicação das leis e com isso promovemos a mediocridade…

Como vê a economia do concelho de uma forma global?

Nós temos um concelho que efetivamente produz muita riqueza. Dentro do nosso concelho muitas empresas são líderes nacionais em muitas áreas. Portanto, acho que o concelho ganha com isso, com certeza. Somos uma zona que tem muita indústria, tem muita produção agrícola, 80% dos frescos do país vêm inclusivamente da região Oeste. Já em relação ao comércio não vejo que se possa desenvolver muito tendo em conta a proximidade de Lisboa. Mas temos a vantagem de sermos periferia de Lisboa, sem estarmos tão perto ao ponto de sermos um dormitório. E acho que isso tem sido uma vantagem para Torres Vedras porque não sendo um dormitório tem criado a sua própria economia local. Não é uma zona que seja rica, mas tem a sua sustentação. Não somos de excessos, de loucuras, fazemos as coisas com conta, peso e medida, e a banca diz inclusivamente que é a zona do país com menos crédito mal parado.

Está provado que o Estado não deve gerir empresas, mas deve ser um regulador fortíssimo 

A qualidade de vida de Torres Vedras é de resto uma grande mais valia…

Sem dúvida. Há três anos que vivo em Lisboa, e concordo perfeitamente consigo. Torres Vedras está à mesma distância de Lisboa que Cascais. Estamos a 25 minutos de Lisboa, a 10 minutos da praia, temos tudo aqui à volta…. Eu continuo a achar que daquelas boas coisas que aconteceram a Torres Vedras foi não ter sido abolida a portagem e a não modernização da Linha do Oeste, o que tem as suas desvantagens mas que garante a nossa qualidade de vida. Se bem que Torres Vedras tem muita gente nova, devido à qualidade de vida que proporciona. Criando-se infraestruturas, nome, uma marca, como uma empresa, as pessoas vêm. E é isso que também tem de acontecer em relação a Santa Cruz.

Como tem visto o trabalho que tem sido feito no sentido da sustentabilidade no concelho?

O que a Câmara tem feito é tornar Torres Vedras cada vez melhor. E a sustentabilidade é uma bandeira! Hoje Torres Vedras está melhor do que há 15 anos atrás, temos melhores infra estruturas, melhores parques, melhor qualidade de vida, mas acho que, por exemplo, na zona de Santa Cruz, falta muito trabalho. Os parques de campismo de Santa Cruz, por exemplo, deviam sair do centro da localidade. E Santa Cruz tem condições naturais excelentes para evoluir… Por exemplo, o Areias do Seixo está a trazer imensa gente para a zona de Santa Cruz e pode potenciar essa zona balnear como destino turístico.

Gostaria de acrescentar algum aspeto ao que foi dito nesta  entrevista?

Uma coisa que lamento é que eu, se puder, compro tudo em Torres Vedras, mas o facto é que não tenho praticamente clientes aqui, o que se prende com uma mentalidade local pouco positiva… Não se pode apenas querer parecer ser, mas tem de se efetivamente ser. Esse é um dos aspetos em que Torres Vedras tem de melhorar…

Última atualização: 20.11.2014 - 17:35 horas
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