Torres Vedras

Carlos Sá

01.03.2014

Carlos Sá

Carlos Sá é presidente do recente Centro Hospitalar do Oeste, uma instituição que surgiu há cerca de um ano como resultado da fusão do Centro Hospitalar Oeste Norte, a que também presidia, com o Centro Hospitalar de Torres Vedras. Foi precisamente com o intuito de fazer um balanço do funcionamento daquela recente entidade hospitalar e de esclarecer alguns aspetos relacionados com o funcionamento da mesma que estivemos à conversa com este gestor hospitalar, que abordou ainda outros temas como o seu percurso profissional, o futuro do Serviço Nacional de Saúde, a formação de médicos ou o panorama da saúde em Torres Vedras. Construir uma entidade hospitalar de referência é um projeto em que, assegura Carlos Sá, todo o corpo de funcionários do Centro Hospitalar do Oeste está fortemente empenhado…

Começava por lhe perguntar como foi o seu percurso pessoal e profissional até exercer as atuais funções de presidente do Centro Hospitalar do Oeste?

Sou natural de Tomar, fiz toda a minha formação escolar até ao liceu nessa cidade, tendo posteriormente ido para Lisboa estudar análises clínicas e saúde pública e depois gestão de empresas. Trabalhei desde sempre no setor da saúde, inicialmente nos antigos hospitais civis de Lisboa, no Hospital dos Capuchos e no Hospital de S. José, mais concretamente, e depois no Instituto Português de Sangue. Durante 16 anos assumi também funções de responsabilidade no setor privado, na indústria farmacêutica, e há três anos regressei ao setor público para assumir funções de gestão no Centro Hospitalar Oeste Norte e, desde há um ano, no Centro Hospitalar do Oeste. Paralelamente fiz várias pós-graduações em Portugal e no estrangeiro, na área da saúde e liderança, estando neste momento também a terminar o mestrado em Gestão da Saúde.

Que balanço faz do primeiro ano de funcionamento do Centro Hospitalar do Oeste?

Este primeiro ano teve como principal objetivo a reorganização de uma estrutura enorme constituída por cinco unidades hospitalares com mais de 2000 pessoas. Diria que o resultado deste primeiro ano foi positivo, não apenas para a organização, mas particularmente para os utentes que diariamente recorrem ao centro hospitalar.

Conseguimos reduzir as listas de espera para cirurgia significativamente, operar mais 8,4% de doentes e aumentar o número de consultas. Isto para além de termos conseguido alargar o número de valências disponíveis.

Quais?

Passámos a ter neurologia e imunoalergologia em Torres e oftalmologia e pneumologia em Caldas. Já no início deste ano iremos disponibilizar em Torres Vedras as especialidades de gastrenterologia e de oftalmologia. Pretendemos passar a ter, até ao final de 2015, as especialidades de urologia, dermatologia e psiquiatria em Torres.

Naturalmente, estamos dependentes da contratação de médicos dessas especialidades para conseguirmos concretizar esse objetivo.

Mas os cuidados básicos de proximidade mantêm-se?

Sim, é importante esse esclarecimento. Todas as consultas, tratamentos, intervenções cirúrgicas de ambulatório e urgências, com exceção das de ginecologia e obstetrícia, continuam a funcionar em Torres e nas Caldas.

O que fizemos foi concentrar a maternidade nas Caldas, uma vez que em Torres o número de partos era menor. Houve ganhos em saúde para as utentes porque, com a concentração da maternidade nas Caldas, foi possível separar o internamento de obstetrícia do internamento de ginecologia, conferindo mais conforto às mesmas. Associada à maternidade está a neonatologia, que também foi concentrada nas Caldas. Na área da pediatria, mantivemos em Torres o internamento cirúrgico, as consultas e a urgência pediátrica e criámos o hospital de dia pediátrico, que permite que as crianças façam tratamentos em regime de ambulatório, sem que haja necessidade de internamento, concentrando apenas o internamento médico pediátrico nas Caldas. Paralelamente, concentrámos a ortopedia em Torres, no que toca ao internamento e à cirurgia programada.

a reorganização dos cuidados de saúde na região trouxe para as populações um maior acesso a novas especialidades e a cuidados de saúde mais diferenciados

Em traços gerais, a reorganização dos cuidados de saúde na região trouxe para as populações um maior acesso a novas especialidades e a cuidados de saúde mais diferenciados. Isso é claramente um ganho resultante da constituição do centro hospitalar. Naturalmente que depois há outros aspetos que também são relevantes como o facto de termos passado a ter uma maior capacidade de resposta interna em algumas áreas, como na radiologia, sendo que aqui em Torres Vedras tomámos a decisão estratégica de adquirir o equipamento de TAC para não estarmos dependentes de uma empresa privada, o que nos permitiu otimizar custos.

Como resultado de todas estas ações, pela primeira vez nos últimos anos, foi possível atrair mais médicos para o centro hospitalar do que aqueles que saíram. Isso aconteceu em 2013 pela primeira vez nos últimos oito ou nove anos. Significa também que a reorganização, com o ganho de escala que foi possível obter, foi vista pelos profissionais de saúde que entraram como uma importante mais valia em termos de desenvolvimento da sua carreira profissional.

Quais são neste momento as principais apostas do centro hospitalar?

Quando um conselho de administração é nomeado, é o por um período de três anos. E para cada um desses anos existem objetivos-chave. No primeiro ano, em 2013, o principal foco foi a reorganização dos serviços e a uniformização de procedimentos e protocolos. Por exemplo, ao nível dos sistemas de informação ou de procedimentos terapêuticos. Neste segundo ano o enfoque vai ser na obtenção de ganhos de produtividade que se consubstanciem em melhorias substantivas para as populações no acesso à saúde. Para 2015 o nosso principal foco será a qualidade. O que não significa que desde o início não tenhamos tido esse objetivo...

Há algum tipo de constrangimentos em especial que sintam no vosso dia a dia?

Constrangimentos há sempre, em qualquer organização, e portanto na nossa também. Temos naturalmente constrangimentos orçamentais, que são públicos. Temos um problema que afeta a qualidade e a nossa capacidade de resposta na prestação de cuidados de saúde, que é a carência ainda significativa de profissionais de saúde, nomeadamente de médicos, especialmente em algumas áreas. Não apenas pelo número, mas também porque em algumas valências temos profissionais com uma idade já bastante avançada…

Por outro lado, os edifícios onde estamos são antigos, e não foram desenhados para a dimensão atual, obrigando a custos de manutenção elevados e dificultando a fluidez do circuito dos doentes e, portanto, o funcionamento do centro hospitalar.

Gostava que esclarecesse um conjunto de situações que poderão ser importantes para a população. Por exemplo, a Viatura Médica de Emergência e Reanimação de Torres Vedras esteve parada mas já está em funcionamento, certo?...

Sim.

Outra questão que poderá estar a criar algum alarme social prende-se com a diminuição do número de enfermeiros…

Como sabe, foi publicada no final de setembro do ano passado pela República Portuguesa a lei 68/2013 de 29 de agosto, que aumentou o horário dos funcionários públicos das 35 para as 40 horas semanais. Isso significa que tendo nós à época 550 enfermeiros passámos a ter mais 550 horas diárias de trabalho. Fizemos uma reavaliação das necessidades serviço a serviço, reforçando em algumas áreas as horas de enfermagem , mas mesmo assim ainda tínhamos horas a mais do que as que precisávamos. O que fizemos foi ajustar à nova realidade a quantidade de profissionais do Centro Hospitalar.

Houve também em tempos problemas relacionados com a falta de pagamentos…

Uma das áreas em que trabalhámos em 2013 foi a que se relacionou com a implementação de medidas que permitissem obter ganhos de eficiência, o que fizemos mediante a reorganização e centralização de serviços dentro do centro hospitalar. Com os ganhos obtidos, conseguimos eliminar os problemas de falta de dinheiro para pagamento de medicamentos, de consumíveis e de outras situações.

Nos últimos meses houve também alguns problemas de funcionamento nas urgências…

Trata-se de um problema cíclico. Como no inverno há mais problemas de saúde, nomeadamente do foro respiratório, há uma maior afluência de utentes às urgências. O que acontece é que o grau de complexidade das doenças tratadas nas urgências é maior porque as pessoas estão cada vez mais idosas. Depois, há problemas sociais que são muito relevantes na região de Torres Vedras. Verificamos que muitos doentes que veem de lares têm problemas de saúde graves. Para além disso, há muitas pessoas que tiraram os idosos de lares e com isso penalizou-se a qualidade de vida dos mesmos. Embora o número de ocorrências nas urgências seja equivalente, a gravidade é maior, o que significa que ficam mais tempo. Adicionalmente há dificuldade na transferência desses doentes para a área de cuidados continuados integrados, porque há falta de camas nessa área.

A unidade do Barro vai continuar aberta?

Não, nós projetamos até ao final do 1.º semestre deste ano criarmos as condições para recebermos a medicina física de reabilitação e a pneumologia, que são as valências existentes no hospital do Barro, aqui. O que vai permitir dentro de um mesmo espaço concentrar valências e permitir ganhos de eficiência, poupanças que também são relevantes. Deixamos de ter custos de manutenção, administrativos e outros relativos ao funcionamento desse hospital, que não penalizam a prestação de cuidados.

Há a possibilidade da maternidade reabrir no futuro em Torres Vedras?

As maternidades têm que ter um número mínimo de partos para garantir qualidade e segurança no atendimento. A diminuição do número de partos neste hospital colocava esse objetivo em risco. Assim decidimos que seria melhor concentrarmos a maternidade num único pólo. Concentrámos nas Caldas porque era onde estava o maior número de profissionais e de partos. A única coisa que centralizámos nas Caldas foi o ato de dar à luz. Porque continuamos a ter em Torres todo o acompanhamento da parturiente até às 38 semanas. Mais, estamos neste momento a criar as condições para a constituição da unidade de saúde da mulher no antigo edifício do CATUS de forma a darmos uma maior diferenciação a esta área. A ideia de que 40 km é longe é uma ideia de há 20 anos quando não havia autoestrada, porque se demorava uma hora e tal a percorrer essa distância. Atualmente são 30min daqui a Caldas.

Como olha para o Serviço Nacional de Saúde, cerca de quatro décadas depois da sua criação?

O serviço nacional de saúde tem sido nas últimas décadas estruturante na sociedade portuguesa. Nomeadamente pelo sucesso que teve, o que permitiu importantes ganhos em saúde para as populações. Portanto, há que lhe dar continuidade. Simultaneamente é um motor do desenvolvimento do país. Nós conseguimos em quatro décadas criar um serviço nacional de saúde que é reconhecido em termos mundiais como um dos melhores.

Por outro lado, há que entender que os desafios que se colocam hoje são maiores do que os que se colocavam há quatro décadas atrás. Já se referiu a questão demográfica, social, para além da incorporação da inovação, e isso obriga a que tenhamos de reestruturar o sistema. E para isso teremos de repensá-lo de uma forma um pouco diferente da tradicional, saindo um pouco “fora da caixa”. Temos de ponderar se podemos conseguir continuar a dar tudo a todos. Possivelmente terá de se caminhar para sistemas mistos. As diversas alternativas devem ser estudadas e discutidas pela sociedade, de modo a encontrar a melhor solução e depois ser implementada e avaliada de forma completamente transparente e não resultar do somatório de soluções pontuais.

Como vê o panorama da saúde em Torres Vedras. Há até quem a considere um caso de estudo…

Não há muitas regiões no país onde haja uma concentração tão grande de unidades prestadoras de cuidados de saúde e isso tem aspetos positivos como alguma concorrência, o que as obriga a trabalhar diariamente para que sejam cada vez melhores, mas no caso do Centro Hospitalar do Oeste, cria um problema adicional que é a fuga de profissionais altamente qualificados para o setor privado. E isso é algo que tem de ser, no futuro, equacionado pelo ministério. Acho que não é correto que um profissional médico acabado de formar, em quem foi investido muito tempo e saber no desenvolvimento de competências passe a trabalhar para o setor privado logo depois da sua especialização, sem ressarcir em tempo esse investimento do setor público. Isto apesar de não ter nada contra a mudança dos profissionais da saúde de um setor para o outro. Por exemplo, acho até muito bem que o setor privado tenha autorização para formar esses profissionais nas suas instituições.

A falta de médicos, devido nomeadamente à insuficiência de cursos de medicina em Portugal, está ultrapassada?

Não está, mas vai estar dentro de pouco tempo, cinco, dez anos, no máximo. Tivemos nos últimos dois anos no "fundo do poço", a atingir quase um ponto de rutura, com um número muito maior de profissionais a sair do que a entrar, mas no futuro isso deixará de ser um problema...

Têm também dinamizado atividades na área da educação para saúde. Continuará a ser uma aposta vossa?

Para além da prestação de cuidados de saúde aos doentes, há outros aspetos tão importantes como esse na atividade do Centro Hospitalar do Oeste, como o aumento do conhecimento em saúde das populações. Para isso temos de desenvolver ações junto da comunidade que permitam melhorar o conhecimento das pessoas sobre a saúde e as doenças. Se, por exemplo, informarmos as pessoas de que em certas situações é preferível ligar primeiro para a linha de saúde 24 ou ir ao médico de família do que ir à urgência, onde inclusivamente os riscos de contágio são muito maiores, isso é positivo tanto para o doente como para a própria instituição hospitalar. Temos também proporcionado visitas de estudo a escolas e possibilitamos ainda a alunos do 12.º ano visitas nas férias para conhecerem melhor as várias carreiras profissionais que existem num hospital para assim poderem tomar decisões ao nível da sua carreira profissional. Achamos que cada vez mais temos de nos abrir à comunidade. É a melhor forma de criar organizações sustentáveis e que possam evoluir no futuro.

Não há muitas regiões no país onde haja uma concentração tão grande de unidades prestadoras de cuidados de saúde

Gostaria de deixar alguma mensagem final?

Eu acho que temos de ser positivos em relação ao futuro do Centro Hospitalar do Oeste, no que respeita às mais-valias que trás para os doentes. Projetamos com os nossos profissionais construir uma unidade hospitalar de referência na região Oeste que seja por um lado sustentável mas que coloque sempre em primeiro lugar o doente. Quero também agradecer a todos os profissionais que colaboram connosco o empenho e a dedicação que diariamente colocam na prestação de cuidados e que nos permitiu atingir os objetivos que referimos, bem como a confiança da população da região na nossa instituição, sendo que tudo faremos para continuar a merecê-la.

Última atualização: 06.05.2015 - 14:39 horas
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