Torres Vedras

António Monteiro

18.07.2018

Nasceu em Lisboa, mas foi em Torres Vedras que passou a maior parte da sua vida. Aqui, todos o conhecem por Toni, o treinador de tumbling e trampolins da Física cujo dia-a-dia continua a ser entre colchões, trampolins, barras e plintos. Com uma vida inteiramente dedicada à ginástica, António Monteiro abriu as portas do ginásio, desta vez para conversar com a Torres Vedras.

 

Tem uma carreira muito conhecida por todos os torrienses, mas a verdade é que nasceu em Lisboa.

É verdade. Nasci em Lisboa, na freguesia da Pena, que agora já não existe com a agregação. [risos] E fazia ginástica no Vitória Clube de Lisboa, situado numa zona chamada Picheleira, […] onde fazíamos ginástica na escola local. Treinávamos com o professor José Filipe Abreu, que foi Olímpico. Fui também a um sarau, porque um colega levou-me. Gostei imenso dos saltos, daqueles aparelhos todos, daquela envolvência… “Epa, eu tenho de fazer isto!” E pronto, aí começou a minha carreira. Comecei a praticar ginástica artística nesse clube e, mais tarde, como treinador noutro clube ali perto, o Ginásio do Alto do Pina, que agora é muito conhecido pelas Marchas. Aí comecei a minha carreira de treinador.

Ainda enquanto atleta, esteve sempre na ginástica artística?

Fiz também minitrampolim, que era o que se usava na altura, e comecei com a criação da acrobática. Fiz o curso de juízes de ginástica acrobática - fui dos primeiros -, e começámos a desenvolver a modalidade. Por isso fui para outro clube tentar fazer essa divulgação. Entretanto, o Mestre [Josef] Sammer e a Dona Dália fizeram-me o convite. “Precisamos de ti em Torres Vedras. Tu tens qualidade, tens de vir connosco.” E eu assim: “Torres Vedras… Isso é muito longe.” [risos] Entretanto estava a começar a minha carreira militar e disse “olhe, tem de aguardar mais um tempo, até acabar.” Quando acabei, em 82, reunimos várias vezes e convenceram-me. Vim visitar as instalações e fiquei encantado, claro. Clubes como este, ainda hoje não há. Em 82, isto era soberbo. “Epa, eu tenho de ir para ali. Aquilo é que vai ser mesmo bom”. Vim a Torres Vedras e fiquei. Em setembro de 82 comecei a minha carreira aqui.

Cada vez que abríamos a porta do ginásio, entravam 40 atletas e queriam era fazer ginástica.

Falávamos há pouco que eram tempos muito empolgantes e em que a Física estava cheia de alunos…

A Física na altura tinha uns 1200/1400 alunos de ginástica. Já se praticava hóquei e basquete, estava-se a começar com os tanques da natação e a iniciar a escola de música… A Física estava a crescer. Ainda hoje está a crescer, como é óbvio. Mas naquela altura estava a mexer muito. Cada vez que abríamos a porta do ginásio, entravam 40 atletas e queriam era fazer ginástica. Não tínhamos nada destas condições que temos agora. Os tempos eram diferentes e havia muita gente a praticar. Entretanto, em 83, fizemos uma apresentação no Pavilhão dos Desportos, em Lisboa, onde levámos o nosso potencial todo: ginástica, hóquei, basquete, patinagem… Tudo o que a Física tinha foi apresentado num grande sarau, elaborado pelo próprio Mestre Sammer, que foi o organizador e implementou aquela apresentação toda. E foi gratificante, sem dúvida nenhuma. Enchemos o Pavilhão dos Desportos, não só com torrienses, mas com lisboetas que foram ver o nosso sarau.

 

Por volta dessa altura também se deu o início da Gimnoeste.

Sim, logo a seguir. Acho que o primeiro [sarau] foi em 84/85, se não estou em erro. Foi criado porque nessa altura, com tantos ginastas, fazíamos quatro dias só de ginástica da Física. Era todos os dias a fazer ginástica e, todos os dias, os saraus cheios. […] Nós saíamos muitas vezes. Éramos requisitados para fazermos saraus na Lourinhã, no Bombarral, nas Caldas… Levávamos os ginastas todos e íamos fazer um sarau. O senhor Zé do Vale, o Mestre Sammer e toda a gente que estava perto começou a pensar em fazer um sarau grande. […] No primeiro ano foi logo uma enchente de gente. E fizemos a Gimnoeste, que também tinha 3 ou 4 dias. Durante muitos anos foi assim. Aproveitávamos o 25 de abril ou o 1º de maio, conforme o ano, e criávamos ali 3 ou 4 dias de saraus, com representações de equipas internacionais, o que era espetacular. […] A Gimnoeste passou por várias fases… Esta é uma delas.

 

Da Gimnoeste e destes torneios a nível local, passou-se muito rapidamente para as representações a nível internacional.

Na altura era tudo um bocadinho mais simples e, juntamente com os atletas de ginástica artística de competição, tivemos alguma facilidade em adaptar-nos à ginástica acrobática. […] A nossa vida virou-se um bocadinho para a ginástica acrobática. Tínhamos vários campeões nacionais nos vários escalões e nos vários grupos, porque a acrobática é composta por pares masculinos, femininos e mistos, trios femininos e quadras masculinas. Tivemos vários campeões nacionais e um par que foi selecionado para ir ao Campeonato da Europa. Devemos ter sido dos primeiros pares que foram representar Portugal. Foram à Alemanha fazer esse Campeonato da Europa… Foi engraçado porque foram de carro. O Mestre, como era alemão, foi com o seu carro… Acho que foi uma viagem que ficou na memória de quem participou. Era um par constituído pela Carla Umbelino e pela Maria João Rocha, acompanhadas pelo Mestre Sammer, que fazia parte da Seleção na altura.

 

Aos dias de hoje é treinador aqui na Física, precisamente nesta sala, de tumbling e de trampolins.

Exatamente.

Quantos alunos e classes tem consigo neste momento?

Tenho a classe de formação, dos 3 aos 5 [anos], a classe dos 6 aos 10, tenho outras classes que vêm com as próprias creches e depois tenho as minhas classes de competição. Neste momento tenho uns 40 alunos na competição, incluindo aperfeiçoamento e competição em si.

 

Para quem não sabe o que é o tumbling, como é que explica esta modalidade?

O tumbling é uma modalidade muito atrativa, praticada numa pista que tem 25 metros. Ao longo dessa pista fazem-se exercícios gímnicos, com apoio das mãos e dos pés em velocidade, que terminam com um salto final, de mortais ou piruetas, para que seja empolgante. É feito numa pista especial, não pode ser no chão. […] Acho que é muito atrativo. Quem vê gosta muito de ver.

 

Foi treinador nacional de tumbling.

Sim, estive dois anos a liderar a equipa nacional [entre 1996 e 1998]. Acho que foi um ponto alto da minha carreira, em que viajei muito, conheci muito… E aprendemos muito. Sem dúvida nenhuma que o convívio, poder ver as outras instalações, os outros ginastas e como eles treinam, ver como é que eles fazem as coisas… Sem dúvida nenhuma que se aprende. Foi uma boa aprendizagem.

 

Conseguiu ainda conciliar a sua carreira desportiva com o facto de ser juiz de ginástica.

Isso foi no princípio. Como era atleta de artística, tornei-me juiz de artística. Fazia parte, porque tínhamos de estar nessas provas. E gostava muito de ser juiz. Mais tarde fui também juiz de acrobática e acompanhei a evolução da própria modalidade. Chegou uma altura em que não dava, porque às vezes pontuávamos os nossos próprios alunos e nunca achei isso muito bem. Então acabei com essa situação. Treinador é treinador.

A Física tem sido uma boa casa para mim. Eu também tenho dado tudo o que tenho à Física, sempre com muito amor e carinho.

Um treinador que tem levado muitos jovens a arrecadar muitas medalhas. Como é trabalhar com estes escalões tão novos?

É bonito. Mas às vezes não é fácil, porque todos têm o seu feitio. Isto é uma modalidade individual, temos de saber lidar com todos, cada um com a sua característica. Uns com mais facilidade, outros com menos, e saber explicar-lhes que a aprendizagem “demora tempo”. Às vezes não é fácil. Mas é muito agradável e muito compensador ao chegarmos às provas e as medalhas aparecerem.

Tem ideia de quantos alunos é que já passaram por si?

[sorri] Foram muitos… Milhares, talvez. Tenho alunos que os pais já fizeram ginástica comigo. Não faço a mínima ideia de quantos já passaram, mas sei que já foram muitos, muitos, muitos.

 

O que lhes procura transmitir?

Procuro transmitir que a vida do desporto é agradável, que o devem fazer. Que devem praticar com amor e com algum objetivo. E que consigam chegar ao topo.

 

Como é que vê o seu percurso dentro desta casa até aos dias de hoje?

Sinto-me bem, se não, já não estava cá. [sorri] A Física tem sido uma boa casa para mim. Eu também tenho dado tudo o que tenho à Física, sempre com muito amor e carinho. Tudo o que faço é com muito gosto. Tento atingir os meus objetivos e os objetivos dos meus atletas. Tenho conseguido, felizmente. Em 2000, por exemplo, fomos participar na primeira prova internacional, o Open de Paris, com uma grande comitiva. […] Fomos simplesmente com a noção de participar na prova, fazer o nosso melhor, e viemos de lá com várias medalhas e com o Troféu do Open. Foi ótimo. E temos regulamente a participação de ginastas da Física em competições mundiais e torneios internacionais, além de ginastas na Seleção Nacional.

 

Em novembro também vamos ter uma representação da Física em São Petersburgo.

Sim, desde que enveredámos pelo tumbling e pelos trampolins que temos estado quase sempre presentes, desde 88, nos campeonatos do mundo por idades. Temos tido sempre atletas apurados para esse campeonato. Têm de atingir objetivos, de ter dificuldades superiores... E neste momento temos o Gonçalo Quelhas já apurado para São Petersburgo, na Rússia, em novembro.

 

Ao longo destes anos tem visto o seu percurso enquanto técnico a ser reconhecido, não só a nível da Física, como também em Torres Vedras e fora do concelho.

Pela Física tive, com o senhor Fernando Leal, a Medalha de Mérito Desportivo. Pela Câmara Municipal de Torres Vedras, a Medalha de Grau Bronze. Tive também um voto de louvor da Assembleia Municipal do Sobral de Monte Agraço, porque tivemos ginastas que residiam naquele concelho que foram ao Campeonato do Mundo e tiveram boas prestações. Fui reconhecido pela Associação de Ginástica de Lisboa, em 2005, como o melhor treinador dos últimos 10 anos. Temos vários atletas distinguidos pelo Rotary Club de Torres Vedras com o Prémio José Maria Antunes. E recentemente pela Física, com o Prémio Carreira. Senti-me muito orgulhoso por, ao fim destes anos todos, a Física ter reconhecido que realmente fiz um bom percurso.

 

Deste percurso que acabámos de passar em revista, se tivesse de escolher um momento alto, qual é que escolheria?

É difícil. Felizmente tive momentos muito bons. [pensativo] Talvez o Open de Paris. Ter recebido o Prémio Carreira também. E termos participado nos campeonatos do mundo... Quando vamos [a provas internacionais], acho que os momentos são sempre únicos, não é? E depois uns sobrepõem-se aos outros… É muito difícil escolher. O Carlos [Pinto] participou este ano na Seleção Nacional e foi ao Campeonato da Europa, em Baku. E foi um orgulho enorme estar com ele.

 

A sua vida foi sempre dedicada à ginástica.

Sim. Tem sido sempre dedicada à ginástica. Vim para aqui em 82, casei, tenho filhos e uma netinha pequenina…

Faço o melhor que posso e que sei. E o meu objetivo é levá-los [aos ginastas] sempre o mais longe possível.

 

O que significa a ginástica para si?

Está difícil agora… [pausa] Significa a vida. Foi a minha vida… São 36 anos de trabalho aqui. Acho que me sinto realizado. Tenho uma família linda. [emocionado] Mas pronto, estava eu a dizer que tenho uma família bonita. Tenho uma mulher que me apoiou sempre, sempre, sempre, nesta vida. Porque esta vida da ginástica não é fácil. Muitas competições… E até muitos conflitos. […] Tem sido, realmente, um pilar muito grande. Até na própria ajuda aqui na Física, com a Gimnoeste. […] E os filhos… Os filhos foram criados praticamente aqui. Iam muitas vezes connosco para provas, como vai agora a netinha. Acho que a minha família, nesse sentido, tem sido fantástica. E estou muito orgulhoso.

 

É uma segunda casa.

É uma segunda casa. Às vezes é a primeira.

 

A ginástica está no início da sua vida, no seu presente e também no seu futuro, com as novas gerações. Como é que encara este futuro de ginástica pela frente?

Enquanto puder e me deixarem, estarei por aqui. Se não for como treinador, será talvez como coordenador. Aliás, já sou coordenador de algumas modalidades. Só me vejo a colaborar com a ginástica, como é óbvio, em questões de continuidade de trabalho. Mas enquanto puder estarei aqui a fazer ginastas. Sinto-me bem. Eles gostam de mim e eu gosto muito deles. Faço o melhor que posso e que sei. E o meu objetivo é levá-los sempre o mais longe possível. É esse o meu desejo.

 

António Monteiro, Toni, muito obrigada. Pergunto-lhe se quer acrescentar alguma coisa à nossa conversa?

Um agradecimento aos pais de todos os meus alunos que passaram por aqui, na competição especialmente. Foram sempre pais incansáveis, colaboraram sempre connosco em tudo o que se fazia. Estão sempre prontos. Sem dúvida nenhuma que sem eles era impossível levar as coisas a “bom porto”. Acho que os nossos pais são pais especiais, sem dúvida nenhuma. E a todas as gerações de ginastas e direções da Física que têm passado por aqui, que já passaram muitas, e têm também sido impecáveis com a ginástica. Dão-nos apoio e quase “carta branca” para fazermos o que quisermos em questões de eventos. Porque sabem que à partida também será um sucesso. Felizmente tem sido, até agora.

Última atualização: 18.07.2018 - 17:07 horas
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